Não importa onde estamos, numa mesa de bar ou no divã do analista, nossa mente nunca para e nossos medos e desejos nunca nos abandonam. Nem por um instante nos separamos do que realmente somos e, por mais difícil que seja, não controlamos cem por cento nossas atitudes. Se Freud, após 40 anos de estudo da mente humana, continuou com várias dúvidas sobre o ser humano, quem sou eu ou você para julgar as “crises histéricas” da melhor amiga? Só Freud explica!?!
Coisas simples que todos vivemos,pensamos,sentimos e nem sempre conseguimos partilhar. Assuntos, temas, extraídos da minha experiência clínica e do meu cotidiano. Em alguns você pensará: tô fora... Em outros: tô dentro...

terça-feira, 24 de março de 2015

QUERIDA MÃE



Hoje já faz seis anos que você nos deixou. Naquela terça-feira à noite algo me impedia de sair do CTI e descansar de um plantão, que havia começado às sete da manhã. Foi com a promessa do coordenador, que qualquer coisa me ligava, que fui embora. 
Logo voltei e ainda pude - um privilégio - ficar de mãos dadas com você enquanto, serenamente, você fazia a passagem.   
Hoje, não venho falar das saudades. Porque essas danadas, mesmo acomodadas pulsam diárias. Venho lhe contar as últimas novas. 
Este 2015 começou com a perda de nosso tio Juca, seu único irmão que ainda estava por aqui. Posso imaginar que a alegria de vocês, em recebê-lo por aí, foi proporcional a nossa tristeza em despedir de quem, invariavelmente, trazia você e todos os outros tios em presença. 
Logo em seguida veio a maioridade judaica de seu primeiro bisneto! Felipe rezou lindamente, fazendo valer muito mais que uma tradição: a perpetuação da família! A festa foi maravilhosa com aquela animação e alegria que você adorava. Depois, o aniversário de 40 anos de seu primeiro neto. Nem te conto que beleza!!! Arranjos florais de hortênsias. Uma de suas prediletas! 
E, nesse mês, o milagre da vida se fez novamente: nascimento do seu quarto bisneto! Eduardo chegou como qualquer bebê: renovando a VIDA e iniciando novo ciclo. Lembramo-nos de você mãe, pois a história se repetiu. Seu cabelo é tão vermelho que você diria o mesmo que disse quando seu pai nasceu: por que as enfermeiras passaram mercúrio cromo na cabeça dele???!!! Ele é calmo, tranquilo, e estamos todos ba-ban-do. 
É isso mãe. Em três meses esse carrossel de emoções! Continue a olhar por todos nós, protegendo, iluminando e guiando seus frutos. E os frutos de seus frutos. Ah, quando puder mande notícias daí!
Com amor eterno
Sua caçulinha

sexta-feira, 6 de março de 2015

OLHAR PEQUENO É GRANDE



Março chegou e com ele um pouco das águas tão esperançadas. Olho desconfiada e temerosa com os rumos do nosso país. Mas, de vez em quando, volta-me uma ideia fixa: A grandeza da vida não se faz apenas das maiores conquistas. Nem das notícias.
O mínimo múltiplo comum de duas vidas pode dar um belo sentido à aritmética da existência. Mas os olhos são treinados para enxergar, sobretudo, o grande espetáculo e acabam não percebendo a emoção das pequenas cenas. Falo de detalhes que trazem felicidade, falo de coisinhas que transformam o dia. Hoje, eu olhei o pequeno e engrandeci a vida. Olhar pequeno é perceber que o corpo não sente dor e que funciona perfeitamente mesmo quando a gente não se atenta. É ter tempo para andar lento e tomar um copo d’água depois da caminhada. Olhar pequeno é saber que matar a sede é uma dádiva. Olhar pequeno é notar que a sementinha plantada há uma semana brotou e saber que é de uma pimenta forte. É ter certeza de que vai preparar com os futuros frutos a receita de Pimenta Tailandesa enviada por um amigo e que vai ter ótimos convidados para comungarem a gulodice. Olhar pequeno é esquecer o macro e focar apenas no pé de jasmim salpicado de brancos delicados que a gente chama de flor. É aspirar ao aroma de olhos fechados e ri porque alguém viu. Olhar pequeno é sentir o cheiro da sombra de uma árvore antiga. Olhar pequeno é ligar para a mãe, pai, irmão, filho, amigo e ouvi-lo recomendar que você deva se cuidar. É não explicar que já se cuida, só para voltar a sentir o sentimento mais antigo de que tem notícia. É fazer silêncio para a grandeza disso. Olhar pequeno é ouvir uma música que já sabe de cor, mas, desta vez, prestar atenção na letra, porque veio como o carinho de uma amiga. Eu ouvi ontem e dizia: “Eu quero aprender os mistérios do mundo pra te ensinar...” Eu quero, mesmo que o mistério seja pequeno. Olhar pequeno é receber palavras de amor no celular e essas palavras fazerem chorar, porque vem de uma pessoa tão especial e querida quanto uma filha. É receber um telefonema de Sampa e ser a irmã perguntando: “Passou a raiva?” É dar boas gargalhadas e, ao desligar, viajar num tempo de ternura – que não é passado nem futuro. Olhar pequeno é saber ler nas entrelinhas do comentário de um amigo o que não veio escrito. É gostar do que lê. Olhar pequeno é estar com alguém que te pergunta sempre: “Já disse o tanto que você é importante pra mim?” É responder que não, só para ouvir de novo. Olhar pequeno é ter certeza de que chá relaxa, que floral faz bem pra alma, que quiromantes mentem de verdade e que o horóscopo está certo – se a previsão for boa. É jogar I-ching e ler todo o Hexagrama 13, mas só fixar a frase: "É propício atravessar a grande água". É jurar que entendeu tudo e que esta é a sua praia. Foi o que eu fiz agora. Quer jogar também? Só entrar no site. Mas volte logo. Tenho algo importante pra dizer: Olhar pequeno é abrir os olhos e enxergar a vida grande!