Não importa onde estamos, numa mesa de bar ou no divã do analista, nossa mente nunca para e nossos medos e desejos nunca nos abandonam. Nem por um instante nos separamos do que realmente somos e, por mais difícil que seja, não controlamos cem por cento nossas atitudes. Se Freud, após 40 anos de estudo da mente humana, continuou com várias dúvidas sobre o ser humano, quem sou eu ou você para julgar as “crises histéricas” da melhor amiga? Só Freud explica!?!
Coisas simples que todos vivemos,pensamos,sentimos e nem sempre conseguimos partilhar. Assuntos, temas, extraídos da minha experiência clínica e do meu cotidiano. Em alguns você pensará: tô fora... Em outros: tô dentro...

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

AFETO CULINÁRIO



Quando eu era menina via minha mãe cozinhar sempre. Diariamente os mais variados cheiros e aromas invadiam minha casa.  
Mulher assoberbada de trabalho, seis filhas pra criar, casa, cozinha, então ela não tinha mesmo muito tempo. Não gostava de ajuda no preparo da comida. Não tinha tempo para ensinar e muito menos paciência. 
Ficávamos com o "lava o arroz, descasca o chuchu, cata o feijão, lava a louça". Eu, invariavelmente, com a louça. Nós, as filhas, sempre reclamávamos um pouco na hora de ir para a cozinha ajudá-la. Hoje, como faz pouco tempo que me aventurei na arte do cozinhar, me arrependo. 
Todas as irmãs sempre souberam um pouco desse ofício. Eu não. Mas ela, carinhosa e protetora com sua caçulinha, dizia que cada um leva jeito no que deve... O meu eram as coisas da cabeça e os livros. Mãe nunca erra. Quando muito se distrai
Hoje, quando cozinho, tenho a sensação de revisitar aqueles tempos... Tenho a sensação de que abro arquivos e trago à tona aprendizados e descobertas que ficaram adormecidos. Parece mágica. Aliás, era um dito constante dela: “o fruto nunca cai longe da árvore”. Foi um ganho e tanto. 
Adoro o cheiro do bolo assando porque me faz voltar no tempo. Revejo minha mãe segurando com firmeza a bacia e a colher de pau e mexendo a massa. Acho que tinha certa preguiça de pegar lá nas alturas a batedeira, que naqueles tempos era um trambolho de grande e pesado. 
É o cheiro de infância, é o cheiro da menina sonhando com a transformação da carne bem temperada em alimento. Só não sabia que seria um alimento para a alma também.
Aprendi a refogar arroz, aprendi a fazer carne cozida, aprendi segredos do preparo, porque minha mãe cozinhava e explicava: "não existe cozinheira boa que larga a comida na panela e não mexe". Ela até dizia como devíamos experimentar, verificar o ponto, deixar o gosto apurar antes de despejar água. Que comida salgada não tem jeito, então melhor errar pra menos. E o máximo era: “não tem como dar errado com ingredientes tão bons”!
Outro dia, minha mãe sussurrou em meus ouvidos: "cozinhe sempre assim, com capricho, não vai fazer comida com descaso, faz como se fosse para você." Mas eu já sabia disso. Aprendi lá nos idos da infância, vendo-a apressada, mas nem um pouco descuidada, que cozinhar exige atenção, cuidado, imaginação e, sobretudo, carinho.
Hoje, eu gosto de cozinhar e faço com carinho e a delicadeza de quem está dando seus primeiros passos. Essa é uma das heranças maternas que carrego comigo e passo adiante em cada prato que ando preparando.