Não importa onde estamos, numa mesa de bar ou no divã do analista, nossa mente nunca para e nossos medos e desejos nunca nos abandonam. Nem por um instante nos separamos do que realmente somos e, por mais difícil que seja, não controlamos cem por cento nossas atitudes. Se Freud, após 40 anos de estudo da mente humana, continuou com várias dúvidas sobre o ser humano, quem sou eu ou você para julgar as “crises histéricas” da melhor amiga? Só Freud explica!?!
Coisas simples que todos vivemos,pensamos,sentimos e nem sempre conseguimos partilhar. Assuntos, temas, extraídos da minha experiência clínica e do meu cotidiano. Em alguns você pensará: tô fora... Em outros: tô dentro...

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segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Segunda-Feira Calada





Comecei a segunda-feira assim, devagar, mas inspirada. Tudo sempre dá certo quando respeito o meu ritmo. Então, ouço uma canção, passeio pela casa como quem não quer nada, saboreio um pedaço de manga e encaro a contabilidade chata. No final, vivencio a satisfação de dar conta.
Eu estava ali, circulando pela casa, concentrada na pequenez gostosa de afazeres que pouco importam como molhar uma planta sedenta, limpar a poeira de um canto que não habito jogar ervas secas na água quente e ficar ali, admirando o chá tomar cor. Na verdade, eu apenas adiava a hora do trabalho, buscava inspiração nesse nada. E estava feliz com tanto bem-estar sem causa.
Às vezes são carícias. Outras, inspiração para algo mais bonito. Acontece de ser como luz em meio a sombras, traçando um sentido, um rumo. É triste quando são vazias. Mais triste quando são flechas lançadas ao acaso. Não existe explicação para as impensadas. Pesam como pedra quando resolvemos carregá-las com fé cega. Na maioria das vezes são dispensáveis. E a vida faz-se delas. Usamos o tempo todo em pensamentos, atos e omissões. Talvez por acreditar que, como personagens da história, temos que ter roteiro e muitas falas. Ninguém quer ser o coadjuvante mudo. A estratégia é falar muito. Hoje acordei atenta às palavras. Também não uso sempre a palavra mais certa. Ocorre de usar palavras que ferem. Ocorre de ser frouxa como mel escorrendo pela boca. Ocorrem vômitos de palavras engolidas a contragosto. E também palavrões. Sobra o quê? Confidências suspeitas, mentiras gentis, citações aprováveis, besteiras do dia-a-dia, como o leite derramado... Talvez seja hora de calar para a alma. Calo-me e cito uma frase de Barry Stevens do livro Não apresse o rio – ele corre sozinho, o mais zen que eu já li:
 “Como criança, eu sentia fome 

antes de conhecer as palavras que rotulam tudo isso. 

Eu sentia. 

Agora, quase só uso palavras 

e não sinto quase nada.”
Fiquei com fome de dizer:
Quando eu me calar no coração, 

ouça-me com os olhos.


sábado, 5 de setembro de 2015

(IN)SUSTENTÁVEL LEVEZA DE SER




“Existem apenas dois erros a serem cometidos em uma jornada: não ir até o final e não começar.” 
(Buda)



Uma imagem insuspeita e eis que o pensamento surpreende indo mais longe. Foi assim: olhei a foto e voltei ao passado. 
A foto e a frase exata despertaram um sentimento guardado. Vendo os jovens trabalhando, imaginei os desejos de criação, os esboços do sucesso, os sonhos inacabados, tão típicos de quando se tem tempo, de quando se tem uma vida pela frente. 
Então, me deu saudades. Não tive saudades da juventude. Não, sou do tipo que escolhe olhar pra frente. Estou bem na minha idade, no meu momento e vejo a estrada adiante sem ansiedade. A saudade que senti foi somente de um sentimento e nem era dos melhores. Naquela época, o viver era expectante e havia promessas no ar.
Mas não era só disso que se fazia o futuro, não era só de promessas, era de possibilidades concretas. Hoje também é. Então, por que a saudade? Inexplicavelmente, senti saudades da incerteza e a resgatei para os meus dias. Deve ser sinal de maturidade. 
Viver sabiamente é não ter respostas. Num tropeço que poderia ficar por isso mesmo, eu me vi num caminho novo e sem certeza do rumo certo. E a saudade passou. E no lugar da ansiedade, veio a calma de cada passo. Nostalgia assim faz bem.
Já tive pressa. Hoje tenho mais. O que difere a mulher da menina é a certeza dos meus passos. Nem maiores nem menores do que posso. Vou vivendo assim e respirando profundamente. Como aprendi numa aula experimental de kundalini yoga, lenta e profundamente respiro meu momento presente. E acordo mais feliz a cada dia.
Emoção de verdade foi quando eu me vi na essência e duas lágrimas escorreram-me pela face, porque era bonita e comovente aquela imagem. Emoção de verdade foi olhar as pessoas e reconhecer na beleza de cada uma delas a intenção do meu olhar. Emoção de verdade é compartilhar.

sexta-feira, 6 de março de 2015

OLHAR PEQUENO É GRANDE



Março chegou e com ele um pouco das águas tão esperançadas. Olho desconfiada e temerosa com os rumos do nosso país. Mas, de vez em quando, volta-me uma ideia fixa: A grandeza da vida não se faz apenas das maiores conquistas. Nem das notícias.
O mínimo múltiplo comum de duas vidas pode dar um belo sentido à aritmética da existência. Mas os olhos são treinados para enxergar, sobretudo, o grande espetáculo e acabam não percebendo a emoção das pequenas cenas. Falo de detalhes que trazem felicidade, falo de coisinhas que transformam o dia. Hoje, eu olhei o pequeno e engrandeci a vida. Olhar pequeno é perceber que o corpo não sente dor e que funciona perfeitamente mesmo quando a gente não se atenta. É ter tempo para andar lento e tomar um copo d’água depois da caminhada. Olhar pequeno é saber que matar a sede é uma dádiva. Olhar pequeno é notar que a sementinha plantada há uma semana brotou e saber que é de uma pimenta forte. É ter certeza de que vai preparar com os futuros frutos a receita de Pimenta Tailandesa enviada por um amigo e que vai ter ótimos convidados para comungarem a gulodice. Olhar pequeno é esquecer o macro e focar apenas no pé de jasmim salpicado de brancos delicados que a gente chama de flor. É aspirar ao aroma de olhos fechados e ri porque alguém viu. Olhar pequeno é sentir o cheiro da sombra de uma árvore antiga. Olhar pequeno é ligar para a mãe, pai, irmão, filho, amigo e ouvi-lo recomendar que você deva se cuidar. É não explicar que já se cuida, só para voltar a sentir o sentimento mais antigo de que tem notícia. É fazer silêncio para a grandeza disso. Olhar pequeno é ouvir uma música que já sabe de cor, mas, desta vez, prestar atenção na letra, porque veio como o carinho de uma amiga. Eu ouvi ontem e dizia: “Eu quero aprender os mistérios do mundo pra te ensinar...” Eu quero, mesmo que o mistério seja pequeno. Olhar pequeno é receber palavras de amor no celular e essas palavras fazerem chorar, porque vem de uma pessoa tão especial e querida quanto uma filha. É receber um telefonema de Sampa e ser a irmã perguntando: “Passou a raiva?” É dar boas gargalhadas e, ao desligar, viajar num tempo de ternura – que não é passado nem futuro. Olhar pequeno é saber ler nas entrelinhas do comentário de um amigo o que não veio escrito. É gostar do que lê. Olhar pequeno é estar com alguém que te pergunta sempre: “Já disse o tanto que você é importante pra mim?” É responder que não, só para ouvir de novo. Olhar pequeno é ter certeza de que chá relaxa, que floral faz bem pra alma, que quiromantes mentem de verdade e que o horóscopo está certo – se a previsão for boa. É jogar I-ching e ler todo o Hexagrama 13, mas só fixar a frase: "É propício atravessar a grande água". É jurar que entendeu tudo e que esta é a sua praia. Foi o que eu fiz agora. Quer jogar também? Só entrar no site. Mas volte logo. Tenho algo importante pra dizer: Olhar pequeno é abrir os olhos e enxergar a vida grande!