Como havia
combinado, hoje, partilho o outro texto. Não tem o humor do anterior, mas traz
reflexão e complementa o sentir. Quem de nós nunca pensou, em algum percurso da
história de vida, em de-sis-tir? Deixar prá lá? E eis que, quando o estoque de
verde já sentimos esvaziado, vem uma lagarta crente de fênix ser e voa
liberdade! É grande mas vale a leitura... podem acreditar. A moça, blogueira, escreve bem demais.
"Desistir.
Essa parecia ser a palavra do dia. Há anos ela rodeava sorrateira, ameaçando
invasão de quando em vez. Mas sabia que o momento chegara. E lá estava ela,
sentada que nem índio, frente à estranha palavra: DESISTIR. Podia pensar pra
ela milhões de significados. Significados grandiosos, fúnebres, assustadores. E
a palavra, ali, indiferente e vazia.
O
que ela não conseguia era significar aquele cansaço, porque não era um cansaço
que coubesse no dicionário. Era um cansaço que arrebentava os poros, arrancava
os cabelos, destruía os músculos, envergava as células, principalmente as
nervosas. Cansaço acumulado por vidas a fio, que agora desaguava em desânimo.
Em tardes tempestuosas, noites alcoólicas e madrugadas comatosas.
Mas,
o que doíam mesmos eram as manhãs de coisa nenhuma. Nenhuma vontade. Nenhum
brilho. Nenhum sonho. Nem mesmo um mísero desespero que a incitasse a um
arreganhar de dentes. Como uma velha de histórias infantis a arrastar chinelos
com as puídas meias de lã arregaçadas, a se ababadar pelos tornozelos, seguia o
dia por seguir, afogada em nãos e necessidades. Insatisfeitas.
Lutar.
Pra quê? Por que motivos haveria ela de querer matar um leão por dia? Para
extinguir o pobre animal da convivência planetária? Sua alma era água corrente
que, represada tornava-se uma poça malcheirosa, onde se cultivava
microorganismos perigosamente autodestrutivos. Queria ganhar caminhos
desconhecidos num fluir infinito. Não viera ao mundo armada, nem mesmo com as
armas de Jorge. Se desmoronava inteira na guerra, na briga, na força. Havia
nela por demais delicadeza e inocência para vestir-se soldado.
Tentara
por tempo demais. Agarrara-se a uma coragem irritante, a um bom-humor ridículo
e à esperança. Essa sim uma dama traiçoeira. Ilusão que nos acorrenta noite, em
eterna espera de que uma hora, quem sabe, amanheça.
Agora
inundava o amargor de uma canção muito antiga, grudada no céu da boca, para
todo o sempre sem estrelas, a repetir seu refrão: pois é, pra quê. Pra quê
tanto amar, tanto mar, tantas emoções. Ao fim deste dicionário desbotado não a
espera o zênite, mas o desistir. Uma corrupção indesejada da língua que põe
adiante o ponto final.
Olha
a palavra silenciosa à sua frente. Nada mais a dizer, move-se em direção à hora
que chegara. Mas vacila, num imperceptível instante. É que habita dentro de si,
misturada a seus glóbulos brancos, uma lagarta que pensa que é fênix e que a
puxa pela garganta com a força de todos milhões de leões que ela se recusara a
matar. Escorrendo goela abaixo, a lagarta a engasga, sufoca, lhe impede o ar.
Ela, sem pensar, nem pesar, reage, "como há muito tempo não queria
ousar". E com os olhos, clichemente, saltando das órbitas, enxerga
saídas, caminhos, possibilidades em todo um universo delicadamente bordado
dentro de si, que de repente escancara toda a sua riqueza.
E
enquanto a lagarta, pensando ser fênix tece casa em seu coração, ela abre os
braços e baila, tatuando asas pelas paredes." (Cláudia Regina de Barros in www.escrivinhadeira.blogspot.com)