Não importa onde estamos, numa mesa de bar ou no divã do analista, nossa mente nunca para e nossos medos e desejos nunca nos abandonam. Nem por um instante nos separamos do que realmente somos e, por mais difícil que seja, não controlamos cem por cento nossas atitudes. Se Freud, após 40 anos de estudo da mente humana, continuou com várias dúvidas sobre o ser humano, quem sou eu ou você para julgar as “crises histéricas” da melhor amiga? Só Freud explica!?!
Coisas simples que todos vivemos,pensamos,sentimos e nem sempre conseguimos partilhar. Assuntos, temas, extraídos da minha experiência clínica e do meu cotidiano. Em alguns você pensará: tô fora... Em outros: tô dentro...

segunda-feira, 30 de março de 2009

Vovó

Lucy, mulher corajosa, alegre, vanguardista, carinhosa, cheia de vida.
A vovó conseguiu transformar, todo o seu sofrimento da perda precoce do seu marido, em energia, para dar conta de cuidar de suas filhas. Aprendeu a dirigir, a lidar com as finanças, a economizar. Mesmo com todas as dificuldades de uma mulher, que na sua época estava acostumada a depender do marido para tudo, deu a volta por cima e fez o papel de mãe e pai.
Adorava ter a família por perto: seus netos eram, como dizia, os amores de sua vida, os bisnetos, então, seus bibelôs.
A lembrança que ela nos deixa são as melhores. Ela partiu, chegou sua hora.
Fez tudo que pode com muito amor e dedicação, enquanto esteve conosco.
Agora, irá de encontro a seu grande amor, dançar um tango e descansar.
Vá em paz, você merece! Te amo!

sexta-feira, 27 de março de 2009

DOIS EM UMA: MINHA MÃE


Compre dois e pague um: ofertas tentadoras nos supermercados. Abundância de produto que não dói no bolso.
Minha mãe era dois em uma: pãe = pai e mãe. Abundância de ser que, com sua partida, deixa prejuízo no coração e uma dor na alma, sem nenhuma economia.
Acreditava, até poucos dias atrás, que conhecia as dores. A gente pensa que conhece, pensa que está preparada, pensa que é forte, pensa que aguenta. Tudo muito bem pensado, imaginado, até mesmo sonhado.
Quando acontece é diferente. Tudo que foi pensado, ensaiado desaparece!
- Cadê o script que ensaiei por tanto tempo? Esse é novo!
- É na base da improvisação. Diz o AUTOR do novo texto. Vai em frente o que você tem, completa ELE.
- Sou só dor.
Não ouço mais nada.
Muitas vezes já me xingaram de filha da mãe ou filha da p. Eu também: Oh seu filho da mãe!
Mas nunca ouvi ninguém dizer: Ah seu filho do pai ou filho do puto, vou te cobrir de porrada!
Quando a gente sabe que vai ofender, vai direto no ponto. Quem recebe o xingamento não tem dúvidas e nem carece de fazer teste de DNA.
Sou duplamente filha da mãe. Filha da D. Lucy e da D. Lucy – pai e mãe, mãe e pai.
A perda é dois em Uma.
A dor é infinita em Uma.

quinta-feira, 26 de março de 2009

CARINHO

Para: Você
Data: Hoje
De: DEUS
Assunto: Você
Referência: A vida
Olá, eu sou Deus. Hoje eu estarei cuidando de todos os problemas para você. Eu não precisarei da sua ajuda. Assim sendo, tenha um ótimo dia.
Amo você.
P.S.: E lembre-se...
Se a vida te trouxer uma situação que você não consegue lidar, não tente resolvê-la por você mesmo! Gentilmente, coloque na caixa APDF (Algo Para Deus fazer). Eu pegarei e colocarei dentro do MEU TEMPO. Todas as situações serão resolvidas, mas em MEU TEMPO, não no seu.
Assim que esta situação for colocada nesta caixa, não se preocupe mais com ela. Em vez disso, foque em todas as coisas maravilhosas que estão presentes hoje em sua vida.
Agora vou indo. Novamente, tenha um ótimo dia!
DEUS
Márcia Rocha

"A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está,
no amor que não damos,
nas forças que não usamos,
na prudência egoísta que nada arrisca, e que esquivar-se do sofrimento faz perder também a felicidade.
A dor é inevitável,
o sofrimento é opcional."
(Carlos Drummond)

Oi Rê!
Infelizmente não é possível estar ao seu lado neste momento tão doloroso.
Na verdade não estou de corpo, mas de alma, com certeza.
Receba meu carinho, minha amizade e saiba que estou ao seu lado tentando te dar um mínimo de conforto.
Você que é uma pessoa espiritualizada sabe que, por aqui, estamos de passagem e que viemos cumprir com o que nos propomos.
Sua mãe já está pronta, e por este motivo foi chamada.
A dor é insuportável, sei bem o que é isso, mas faz parte, e só o tempo para superar.
Um forte abraço.
Com carinho.
Carla Dias

Hoje foi um dia de muitas lembranças para mim.
Não estou completamente triste, estou sim com um grande pesar, as coisas boas passam, a gente perde todo dia...
Passam na minha cabeça várias cenas, de momentos bons, de conversas, de exemplos de vontade de viver, de festas de aniversários, de casa cheia, de expressões: MINHAS FILHAS, MEUS NETOS, sempre com um orgulho, justo merecido.
Aquela casa comprida, a cozinha, uma mesa sempre posta com delícias, sempre feitas por ELA, com capricho e carinho de MÃE.
Ela, sempre, muito bem cuidada, cabelo arrumado, mãos e unhas muito bonitas.
Estas são algumas das lembranças que me ocorreram agora e que quero guardar para sempre com muito carinho.
Com certeza aprendi muito com a D. LUCY e quero guardar dentro de mim só estas boas lembranças.
Beijos,
Vênica

MINHA AMIGA/IRMÃ FOI IMPOSSÍVEL NÓS CHEGARMOS A TEMPO DE ESTAR JUNTO A VOCÊ COM UM OMBRO AMIGO, MAS O SENTIMENTO, O CORAÇÃO E OS AMIGOS DO ALÉM ESTAVAM.
RICHARD/LUCIA

Oi meu anjo!
Lamento muito sua perda. Saiba que estou com você em pensamento. Que D’US te dê o conforto nesse momento tão difícil! Um beijo no coração.
Márcia Abobrinha

Tem pessoas que vão e deixam saudades...Outras como D. Lucy, sua mãe, são imortalizadas pelo que fizeram. Um abraço forte, daqueles que você sabe bem dar.
Pudim e família.

Meus sentimentos e de toda equipe à família.
Dr.Sérgio Lima.

Amada Amiga.
Os mensageiros do PAI estão presentes, trazendo paz, força e compreensão. Estou em prece e em coração junto com você. Flores do dia para você.
Eliane/Gym

Acabei de ter notícia do falecimento de sua mãe aqui no Socor. Que D’US conforte todos vcs da família e te dê muita paz e consolo. Conte comigo se precisar. Um forte abraço.
Luiz Eduardo.

Essa dor eu bem sei o que é. Mas não posso fazer nada para aliviar, a não ser te oferecer meu carinho e meu ombro amigo. Conte comigo!
Bjs, Pat.

Amiga querida e tão especial! Que os Anjos mais amados possam estar ao seu lado lhe dando paz e serenidade. Que suas asas protetoras lhe envolvam suavemente e perceba a presença do PAI, segurando firme sua mão. Amo você.
Bjs, Syl.

segunda-feira, 23 de março de 2009

PENA/DÓ OU COMPAIXÃO

Existiria diferença entre as três? É sutil, mas real. Sempre brinquei que, quem tem pena é galinha. A pena é um sentimento adoecido, depressiva. É fruto da comparação que fazemos entre nós e os outros e nos sentimos superiores a eles.
Quando sentimos dó de alguém, estamos tentando aplacar nossos sentimentos de culpa por estarmos em situação melhor e nos percebermos como pessoas muito dignas e boas. Imersos nesse sentimento, em geral nada fazemos pelo outro e apenas nos igualamos, subjetivamente àquele que sofre.
A compaixão é diferente. É da banda dos sentimentos amorosos e, portanto, é sadia. Ninguém pode se isentar, de estar sensível à dor alheia. O exercício de se colocar no lugar do outro é da natureza do ser humano. A compreensão com a dor do outro e o desejo de ajudá-lo a sair do sofrimento, são a base da generosidade, da solidariedade. No caso da compaixão, o que nos move não é o sofrimento da pessoa, mas a possibilidade de ela sair da dor. É um exercício ativo da esperança no ser humano na sua capacidade de superação, no seu potencial de ir adiante. Enquanto na pena está presente certa revolta, um tom de lástima e queixa, na compaixão há um ímpeto de construir com o outro a trajetória humana: ajudá-lo a atravessar o vale e subir a montanha.

sexta-feira, 20 de março de 2009

O MÉDICO E O CORPO

Para o Doutor Ricardo Coutinho, mais conhecido como Piga. Doutor à moda antiga. O Doutor da D.Lucy.
Tenho saudades do antigo médico da família. Ele sabia, de toda a história do corpo, de seu paciente, além de medicar com conselhos os problemas da alma.
Bons tempos àqueles que não aguardávamos por mais de uma hora, na sala de espera, a consulta de menos de 20 min.Tempos que não era preciso abrir uma tela de computador para se saber de quem e do quê se tratava. A memória não falhava por que eles sabiam quem era a esposa, que o filho mais velho estava cursando engenharia, que a caçula iria se casar no final do ano.
Antigamente a simples presença do médico irradiava a vida. Naqueles tempos os médicos eram também feiticeiros. A vida circulava nas relações de afeto que ligavam o médico àqueles que o cercavam. Naquela época os médicos sabiam dessas coisas. Hoje não sabem mais.
O médico de antigamente era um herói romântico, vestido de branco. Quem, jamais, ousaria pensar qualquer coisa de mal contra o médico? Hoje são comuns os processos contra os médicos por imperícia. Ser médico transformou-se num risco.
Nos tempos antigos todas as pessoas eram espelhos para o médico. Todos o conheciam. Todos olhavam para ele com admiração: olha lá o Doutor! O médico de hoje é procurado não por ser amado e conhecido, mas por constar no livrinho do convênio. Seus espelhos não são mais os clientes, parentes, todo mundo. São os seus pares: colegas de empresa, sócio de consultório, congressos.
A relação do médico antigo com seus espelhos era uma relação de gratidão e admiração. A relação do médico de hoje com seus espelhos é uma relação de inveja e competição.
O corpo é delicado. É preciso cuidar dele. Para isso, há uma infinidade de recursos médicos. E muitos são eficientes.
Mas o corpo, esse instrumento estranho, não se cura só por aquilo que se faz medicamente com ele. Ele precisa beber a sua própria música. Música é remédio. Se a música do corpo for feia, ele ficará triste – poderá mesmo até parar de querer viver. Mas se a música for bela, ele sentirá alegria, e quererá viver.
Em outros tempos, os médicos e as enfermeiras sabiam disso. Cuidavam dos remédios e das intervenções físicas – boas para o corpo – mas tratavam de acender a chama misteriosa da alegria. Mas essa chama não se acende magicamente. Precisa da voz, da escuta, do olhar, do toque, do sorriso.
Médicos e enfermeiras: ao mesmo tempo técnicos e mágicos, a quem foi dada a missão de consertar os instrumentos e despertar neles a vontade de viver...OBRIGADA!

quinta-feira, 19 de março de 2009

O CORPO

Faz 14 anos que trabalho no SOCOR. Nunca vou me acostumar* com o CTI. Nesses anos todos, o máximo que consegui foi não me chocar** tanto mais.
Cheguei hoje para ver mamãe e não a enxerguei. De quem é esse corpo?
Cadê as rugas de seu rosto e em suas mãos que sempre denunciaram as muitas emoções vividas e seus constantes fazeres?
Cadê a bolinha do formato do seu nariz que sempre me fez ver a vovó em você?
Cadê sua varizes, grandes e dolorosas, adquiridas no seu caminhar que nunca pode sossegar?
Cadê seus dentes falsos, que nenhum neto deveria descobrir e que quando sorria demonstrava sua mais vivida poesia?
Cadê sua gordurinha das costas que tantas vezes esfreguei, depois de soltá-la do incômodo sutiã?
Cadê seus olhos cor de azeitona que não herdei?
Cadê suas unhas com esmalte vermelho, seus cabelos pintados e penteados?
Olho para você e não te enxergo mais mãe. Vejo a Tia Gorda. Você está a cara da Tia Gracy: só que em vez de “saudavelmente obesa”, “absolutamente cheia feito um balão”. Balão, mãe, também escapa das delicadas e pequeninas mãos e voa pelo céu.
Você já escapou, mãe, dessas mãos nada delicadas, que te aprisionam e tanto manipulam?
Você já está voando, mãe? Se estiver, aproveite seu vôo na imensidão do céu e quando aterrissar , não deixe de me contar a aventura que é voar!

*ACOSTUMAR: fazer adquirir hábito.
**CHOCAR: impressionar de forma desagradável; espantar.

terça-feira, 17 de março de 2009

PAI MEU,SEU,NOSSO.

Pai, meu, seu, nosso,

Que estás no amanhecer de cada dia, nas matas e florestas, no perfume das flores, no canto dos pássaros, na força das águas, na exuberância dos animais, no colorido dos sentimentos,

Santificado seja o vosso nome, que não o pronunciamos em vão,

Vem a nós, através do nosso ventre, com a gestação de uma nova vida, que vosso reino se perpetue através das gerações,

Seja feita a vossa vontade e também daquele que agora padece e vos pede,

Aqui na terra, no conforto do lar, nas camas de um hospital, ao relento nas ruas,

Como nos céus, vossa moradia e de tantos amados que já partiram,

O alimento nosso de cada dia, a saúde, a proteção dos nossos passos,

Nos dai hoje, amanhã e depois de amanhã,

Perdoai as nossas ofensas, o rancor, a inconformidade, as palavras mal-ditas proferidas,

Assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido, magoado, omitido, negligenciado,

Não nos deixeis cair em prostração, amparando-nos com sua compaixão
,
E livrai-nos PAI de toda a dor através do seu mais puro amor.

QUE ASSIM SEJA! AMÉM!
Regina Rozenbaum

segunda-feira, 16 de março de 2009

A VIDA LIGADA POR UM (UNS) FIO(S)

Hoje minha mãe desceu para o C.T.I. -Centro de Tratamento Intensivo- ela estava no 11ºandar e foi para o 5º.
O C.T.I. é uma unidade de atendimento de urgência, lugar de tomada de decisões e ações rápidas e, se possível, efetivas para a cura, a salvação da vida.
Hoje quase não se morre mais em casa. O hospital tornou-se o lugar oficial da morte, mais ainda o C.T.I. E esse espaço fechado, isolado, quase sagrado, faz com que a morte se torne indefinida, selvagem, prolongada e escamoteada.
Eu tentei, ah mãe, como eu tentei, nunca ter que vê-la deitada nessa cama fria e insuportavelmente aquecida pelo colchão de plástico. Deixá-la na sua cama, a mesma, do início do casamento, não teria sido melhor?
Eu tentei alimentá-la com as burrecas, azeitonas pretas, queijo parmesão, pudim de leite condensado, para não ver essa sonda enfiada nas suas narinas te dando “suporte nutricional”.
Eu tentei hidratá-la com goles de água, sucos variados, chás, café, para não ver as tantas agulhadas tomadas em suas veias já tão fracas.
Eu tentei fazendo você caminhar, do seu quarto para a sala de jantar, se exercitar e assim conseguir respirar, para não vê-la ligada nesse respirador artificial.
Eu tentei levando você ao banheiro, urinar e evacuar para a fralda evitar.
Eu tentei contando-lhe os “causos” mais absurdos te despertar, para não vê-la sedada.
Eu tentei deixá-la em casa, com suas filhas, genros e netos para não ter que esperar o horário de visita e só dois poderem entrar.
Eu tentei dando-lhe banho e fazendo “day SPA”, evitar mãos estranhas a te manipular.
Eu tentei ouvir seu lamento para evitar seu forçado silêncio.
Eu tentei entender sua(s) escolha(s) para evitar que escolhessem por você.
Eu ouvi seu pedido em casa - “Madre mia piedosa”- tentei traduzir, e trazer a vovó para bem pertinho de você. Mas não consegui deixar de escutar – “Socorro, Regina, socorro” no 11º andar do hospital e ouvir todos lhe dizendo que você estava sendo socorrida.
“O que os olhos não vêem o coração não sente”. Se eu não te vejo o meu coração sente. Se eu te vejo, mãe, o meu coração também sente. Então, esse ditado é uma mentira?
Não, eu não acredito que a vida biológica deva ser preservada a qualquer preço. Eu não acredito que ela deva estar ligada por um (ns) fio(s). Ainda que a parafernália dos médicos continue a emitir seus bips e a produzir ziguezagues no vídeo.
“Para todas as coisas há o momento certo. Existe o tempo de nascer e o tempo de morrer” (Eclesiastes 3.1-2).

quarta-feira, 11 de março de 2009

MINHA MÃE: FAZENDO A LIÇÃO

Hoje estou muito gripada. Tomada a decisão na sexta-feira – a internação da mamãe - a garganta começou a arranhar. No final de semana, à medida que os exames eram feitos e nada se encontrava, o corpo começou a doer. Arrepios de frio, cabeça doendo, corpo mole. Penso que ele veio traduzir com a gripe, a dor da minha alma. Aquela que fica escondida enquanto pode.
Ontem depois de mais um exame e nada encontrado, ela desceu pra valer. Uma gripe é que nem uma visita que chega sem avisar. Perturba a calmaria da casa, mas depois de um tempo vai embora sem fazer estrago.
A “doença” da mamãe veio para ficar. E é inútil reclamar. Melhor fazer como a gente faria, caso alguém se mudasse definitivamente para nossa casa: ajeitar as coisas da melhor maneira possível para que a convivência seja pacífica, harmoniosa e não dolorosa.
Eu venho tentando, a cada ano, melhorar essa convivência, mas nesses últimos tempos ela resolveu se rebelar: não arrumar mais a cama, deixar as luzes acesas, louça para lavar, roupa suja espalhada pelo quarto, horas a fio no telefone a conversar. Ei você se mudou em definitivo, mas dá para cooperar?
Uma vez li que doenças são “sonhos sob forma de sofrimento físico”. Assim, se a gente fica amiga delas, elas nos darão lições gratuitas sobre como viver de maneira mais sábia.
Minha mãe é mulher sábia. Não é essa sabedoria dos bancos de escola, ou aprendida nos livros. É sabedoria aprendida vida afora... Tenho cá minhas dúvidas se essa “doença” dela está ensinando-lhe sobre como viver. E não é lição gratuita não, ela está pagando caro através do seu sofrimento.
Eu? Bem, eu estou aprendendo a sobre/viver com ela. Vou contar um segredo: pus uma vassoura atrás da porta para ver se ela vai embora, ´já se tornou visita indesejada.
PS: Celinha, obrigada por seu carinho presente ontem. Elaine do Preto: obrigada por suas palavras e orações.

domingo, 8 de março de 2009

MINHA MÃE: APRENDENDO A LIÇÃO


Se a vida é, como dizem, uma permanente escola, a perda é uma das principais partes do currículo. O meu trabalho, principalmente no hospital, faz com que exercite essa lição de forma intensiva.
Entramos no mundo sofrendo a perda do útero materno, o mundo perfeito onde iniciamos a vida. Somos lançados em um lugar em que nem sempre somos alimentados quando temos fome, no qual não sabemos se nossa mãe vai acolher nossas dores e desconfortos. Sentimos prazer no aconchego do colo materno e, de repente, ele nos é tirado.
À medida que vamos crescendo, perdemos nossos amigos quando nós ou eles mudamos de cidade ou de escola, perdemos nossos brinquedos quando eles se quebram ou desaparecem e perdemos um campeonato de natação. Perdemos os primeiros namorados e a série de perdas apenas começou. Nos anos seguintes, perdemos os professores, os amigos e os sonhos de infância.
Tudo é temporário. Por mais que nos esforcemos, acabamos percebendo que não é possível encontrar a permanência e terminamos aprendendo que nossa segurança não pode depender de “conservar” tudo e impedir a perda.
Não gostamos de encarar a vida desta maneira. Por mais inexorável que seja o fim da vida, temos a sensação de ser eternos e nos recusamos, internamente, a contemplar a suprema perda percebida: a morte.
Quase todos nós procuramos ignorar e resistir à perda, a vida inteira, sem compreender que a vida é perda e a perda é vida. É impossível viver e crescer sem a perda. Existe um antigo ditado judeu que diz que, se dançarmos em muitos casamentos, iremos chorar em muitos funerais. Essa frase quer dizer que, se estivermos presentes em muitos inícios, também estaremos em muitas conclusões.
Faz quatro anos que comecei a sentir, de verdade, a perda da minha mãe. Deixou de cozinhar, de dirigir seu fusquinha, de fazer as compras buscando as melhores ofertas, de jogar cartas, de se lembrar dos aniversários, de participar, de viajar, de ver seus programas favoritos na tv, de fazer palavras cruzadas, de conversar.
Foi se aquietando, murchando...
Mesmo sabendo que não é possível, esperamos manter as pessoas e as coisas como elas são. A perda é um buraco no coração. As perdas nos deixam vazios, indefesos, imobilizados, paralisados, impotentes, revoltados, tristes e com medo.
Nunca imaginei que mamãe fosse embora assim. Sexta-feira por decisão familiar ela foi internada. Está sendo “melhor assistida” para dar alívio no buraco do coração das minhas irmãs.
O buraco do meu coração está maior, com as injeções picadas em sua barriga, o soro em seu braço que a incomoda, os exames nas salas frias, o entra e sai da enfermagem, a cama que esquenta, a falta de diagnóstico, seu mal estar que não cessa.
Quero lhe dizer hoje, no dia internacional da mulher - “uma bobagem inventada para o comércio ganhar dinheiro. Nunca deixei de ser mulher um só dia!” uma vez ela me disse - que você foi fantástica, que tenho um orgulho danado de ser sua filha e que qualquer que seja sua decisão, carrego você e tudo que me ensinou, no meu coração, para todo o sempre! AMO VOCÊ MÃE! Da sua "caçulinha".

quarta-feira, 4 de março de 2009

Uma festa sem mamãe

Segunda-feira foi aniversário do Gustavo, meu sobrinho, primogênito da minha irmã Janete e do meu cunhado Jorge. Fez 30 anos e convidou toda a família e alguns amigos para jantar. O cardápio descrevo abaixo, pois o sabor está, até hoje, nas papilas:

Antepastos
Sardela, Berinjela
Mini Rondeles de Queijos e Raspas de Limão com Ovas Capelin
Batatas Salteadas com Alho e Alecrim
Ceviche de Tilápia com Vinagre de Framboesa

Entrada
Salada Verde com Picanha Defumada e Sorvete de Mostarda Dijon

Pratos Principais
Rondele de Damasco (escolhi este, estava delicioso).
Ravióli de Queijo de Cabra ao Molho de Tomates Frescos (experimentei da Nanda, minha sobrinha, sem comentários).
Tortelli de Cordeiro ao Molho Rôti com Raspas de Limão (só vi o Jorge raspando o prato)

Sobremesa
Compota de Manga com Crocante de Côco e Sorvete de Tapioca
Sorvete de Paçoca com Hortelã e Calda de Chocolate Meio Amargo (dividi esse com a Dani e não sobrou nem uma gotinha pra contar história)
Compota de Banana com Calda de Chocolate, Sorvete de Nozes e Azeite de Cardamomo (acho que mamãe teria escolhido este).

Quando o Gu nasceu, atrás daquele vidro das maternidades, mamãe disse meio assustada:
- O que aconteceu com o menino? Por que as enfermeiras tiveram que passar mercúrio cromo na sua cabeça? Seu cabelo era tão vermelho, ruivo diferente que ela se assustou.
Acredito que ela teria adorado estar com toda a família e comemorar os 30 anos do seu neto, porque sempre gostou de reunir toda a família para “celebrar a vida”. Mas ela hoje, não consegue mais estar fora de casa.
Acredito que ela teria saboreado todo o jantar e principalmente a(s) sobremesa(s), porque sempre adorou doce. Mas ela hoje, não sente mais prazer em se alimentar.
Acredito que ela teria visto a alegria, escutado as conversas, participado das brincadeiras. Mas ela hoje, vê muito pouco, ouve menos e não se envolve mais.
Minha mãe não está mais presente. Para onde você foi, mãe? Volta, vem me ajudar nessa lição tão difícil de fazer. Essa lição que comecei a aprender tão pequena. Que foi você que me ensinou, sempre, a tirá-la de letra: a lição da perda.
Devo ter "matado" muitas aulas e agora tenho que fazer a lição sem você mãe!

segunda-feira, 2 de março de 2009

MINHA MÃE

Em 26/11/2002 minha mãe fez 80 anos e escrevi e li para ela, familiares e amigos, durante a festa, o seguinte:
Tenho pouco mais que a metade dos anos de vida de minha mãe. Confesso que não consigo me imaginar aos 80, seja pela ilusão de que ainda faltam muitos anos para chegar lá, seja pela dificuldade diante do envelhecimento, ou pelo que vejo nela e através dela.
Quando sabemos que uma senhora está fazendo 80 anos, imediatamente nos vem a imagem de uma “velhinha”, de cabelos brancos, passos lentos, corpo curvado e marcado pelas linhas do tempo. Essa descrição não coincide com minha mãe! Sempre convivi com um corpo ereto, passos firmes no ir e vir do dia-a-dia, mãos ágeis e habilidosas para fazer o necessário e para além dele, energia e vigor para a luta de dar conta do recado... E que recado!
Além da admiração descobri que invejo minha mãe, pois sei que, se chegar aos 80, mesmo com todos os recursos tecnológicos, avanços da medicina e cosmetologia, não serei igual a ela.
Seu luto se transformou em sua luta: a disposição de buscar e descobrir como viver com dignidade, continuar a sonhar, a despeito das perdas, mantendo um espaço aberto para a imaginação conectada às condições reais. Desenvolveu a habilidade de usufruir e desfrutar o que estava disponível, de encontrar soluções, não ficando paralisada nos soluços da saudade.
Sua luta envolveu escolhas e decisões de ser capaz de ir além do sobreviver aprendendo e nos ensinando sobre o viver.
Aceitou que a vida, mais do que ordem, tem propósito e é proporcional, nos oferecendo tanto perdas quanto ganhos.
Seus passos já não são tão firmes limitando, um pouco, sua independência no ir e vir, as mãos continuam a fazer, mas, se cansam com mais rapidez, os cabelos não são branquinhos (viva a cosmetologia) e as linhas marcam sim, as estradas que buscou e os caminhos que teve que percorrer para chegar até aqui.
D.Lucy não é uma “velhinha”, ela vem ao longo dessas décadas envelhe/sendo.
Desejo que minha mãe viva muitos anos mais. Mas não a qualquer preço, apenas enquanto estiver acesa dentro dela a capacidade de se comover diante da beleza. Beleza que para ela tem nome de alegria, quando as lágrimas escorrem pela sua face, num momento divino do nascimento de seu bisneto Felipe, marcando assim a continuidade de sua história.
Alegria de estar aqui hoje, como sempre diz, ao lado de sua família, seus bens mais preciosos: irmãos, cunhadas, sobrinhos, sobrinhos netos, filhas, genros, netos, bisnetos e amigos!
E de acordo com Rubem Alves, gostaria de hoje inverter o ritual do “Parabéns para você”: “... na sala escura e silenciosa um fósforo é riscado e uma vela é acesa – vela que nenhum sopro vai apagar, e que vai ficar brilhando por todo tempo que durar a festa. Com o acender da vela explode a alegria, não pelos anos que foram desfeitos, mas por aqueles que estão à espera para serem vividos. Ao invés de soprar as velas, acenderemos a vela”.