Não importa onde estamos, numa mesa de bar ou no divã do analista, nossa mente nunca para e nossos medos e desejos nunca nos abandonam. Nem por um instante nos separamos do que realmente somos e, por mais difícil que seja, não controlamos cem por cento nossas atitudes. Se Freud, após 40 anos de estudo da mente humana, continuou com várias dúvidas sobre o ser humano, quem sou eu ou você para julgar as “crises histéricas” da melhor amiga? Só Freud explica!?!
Coisas simples que todos vivemos,pensamos,sentimos e nem sempre conseguimos partilhar. Assuntos, temas, extraídos da minha experiência clínica e do meu cotidiano. Em alguns você pensará: tô fora... Em outros: tô dentro...

quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

DE 2020


O que dizer desse ano inimaginável e absolutamente vivido? De 2020 carrego algumas dores. E elas estão registradas onde a memória e o sentimento alcançam. São como cicatrizes, só que, ao contrário delas, não enfeiam, apenas enobrecem minha alma. Essas marcas são aprendizados. Aprendi que não posso mais me calar, porque doeu demais ver fome, abandono, violência, abuso, covardia. As diferenças - sempre sabidas - escancararam-se por conta de um vírus. E haja solidariedade, boas ações, silenciosas e precisas!  Doeu assistir aos números se agigantarem ao redor do mundo dia após dia, à imbecilidade subir ao palco e menosprezar o inimigo mundial num diminutivo qualquer! Isso lá é uma "gripizinha"? Doeu ler as mentiras, a manipulação e o engodo, abalando a fé do povo. Doeu ver o cenário obscuro e doeu tanto que elegi as flores como arma. Aí, doeu saber que poucos entenderam a metáfora. A ternura teria perdido espaço? Não. Foi só a pressa de engolir as news, as fakes e os demais fragmentos desse tempo estúpido que impediu a apropriação do belo. Pois esta sou eu, uma mulher que se coloca de pé para fazer bom uso do aprendizado. Observem, ergue-se uma mulher pronta para a luta.

Gostei de toda a caminhada, realizei com tanto amor que, dizendo assim, parece que atenuo o difícil e finjo que foi fácil. Mas não. Esta não sou eu.  

De 2020, carrego agradecimento. Vivi momentos de alegria e de maturidade com minha família.  Mesmo à distância sinto que ficamos mais próximos. Alguns não foram fáceis, mas todos me valeram. As semanas foram passando e eu me apropriando mais do meu ser, da minha existência. Ficou claro o quanto a minha família pode despertar o melhor de mim. Essas pessoas estão ao meu lado incondicionalmente, de mãos estendidas, prontas para ver a criança andar. Esta criança e neste ano de pandemia completou 6.0 de vida! E esta foi apenas uma alusão à teimosa infância que carrego no peito. Esta sou eu por inteiro, com amor, raiva, drama e medo.


De 2020, carrego amigos. Poderia parar por aqui, porque a palavra já expressa muito, mas quero falar do óbvio, quero falar das alegrias, encontros, descobertas, lembranças, desencontros. Amigo é a certeza de tentativas, erros e acertos, de novos capítulos, com partidas, despedidas e recomeços... Meu coração se alarga na certeza de que os tenho em bom número. Verdadeiros, perfeitos e imperfeitos, gente como a gente, sempre comigo, do jeito que eu sou. E esta sou eu, uma amiga.

Em 2020, fiz treino online, pratiquei com disciplina a tal funcional que achava não dar conta, tirei a poeira dos armários, voltei a caminhar, cozinhei só por prazer e por "Paixão", li muitos livros bons e alguns nem tanto, mas que eu cismo em ler até o fim. Maratonei séries.  Com esta carga toda, acho que 2021 já começa valioso. E esta sou eu, sendo otimista.

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

"Sexies and the Rê"





Quando eu era criança imaginava como seria fazer 40 anos.Distância gigantesca, para uma criança de 10 anos, por ocorrer no ano 2000 e ainda coincidir com a virada do século! Mudou o mundo e mudei eu...muito! Cheguei na velhice? Perguntei àquela época. Ela não veio. E depois quando aos 50 afirmei: agora ela me pareceu chegar com força total. Como num piscar de olhos, ela foi embora e eu vivi uma década ágil, dinâmica, agitada e nada tediosa. Conheci pessoas, fiz amizades, reencontrei a dança e fiz dela minha bandeira diária: "a vida pode não ser uma festa como esperávamos, mas enquanto estamos aqui, dançar é uma ótima pedida". 


E agora, em plena pandemia, eis  que chegaram meus 6.0 de vida! Meu planejamento não era estar em casa, isolada dos que amo, daqueles que fizeram e fazem parte da minha história, construção... Queria fazer uma festa e uma viagem! Como não dá, olho ao redor, procuro a velhice e juro de pé junto que não a encontro! O que mudou, então? Eu mudei! Mudaram as circunstâncias, as ferramentas, mas sobretudo, mudaram as prioridades...
A saúde é mais importante, o silêncio para ouvir meus desejos e encarar meus medos (sim, às vezes ainda aparecem alguns), o humor é mais importante, e a aceitação é hiper importante! E a alegria de viver? Uma bênção que carrego desde sempre.
Contudo, apesar de extraídos alguns pedaços do meu corpo e da minha alma, percebo-me caminhando para essa terra prometida de nome velhice, inteiraça! Sim, me sinto um es-pe-tá-cu-lo cuja única platéia necessária sou eu! Adquiri os ingressos ao longo desses anos todos.
Alguns desgastes do tempo, cicatrizes e rugas não podem ter soberania sobre a minha vontade. Afinal eu sou Regina, do latim rainha!
Faz tempo que parei de inventar razões para viver. Estamos sempre criando justificativas para todas as coisas que queremos ou não, mas viver não tem justificativas, ponto. Também não há meios termos, Existem acordos!
Lá no início dos 50, fiz alguns com a vida e comigo mesma... Vocês sabem, acordos são tratos, são compromissos e tem que ser levados à sério. Caso contrário fica-se sujeito à multas e/ou penalidades!
Me comprometi a viver apaziguada - com o tempo, com as perdas, com as mudanças, com as diferenças, com os limites, comigo mesma -e a curtir cada pedacim do muito que tenho - das pessoas que permaneceram nessa jornada, da família construída, do patrimônio, da saúde e do amor que chegou para mim por várias estradas.
Dos apelidos carinhosos que ganhei pela vida, Regis, Rê, Ré, Rex escolho para esse momento, mais que nunca, o Rê...prefixo, pretexto para que assim, então, hoje possa declarar: nasço, penso, ajo, faço, conheço,aprendo, inicio,paro, envio, passo, acendo,assumo, formulo, enegizo, tomo,vigoro, invento, stauro e VIVO!
Hoje, aos sessenta anos, eu me misturo à multidão, sou cada vez mais "ninguém" e gosto muito disso. É uma sensação libertadora quando nos percebemos fugazes e finitos, nesse vasto universo de sucessões e renovações. Sinto-me como Cora Coralina, "com mais estrada no coração do que medo na cabeça". Os nossos natais são para isso, um atrás do outro...sequência de nome VIDA!
E  encerro com minha "carteira de identidade" à época da criação deste divã:
Concedo-me esta alegria solta de ser quem sou. Posso ser lida por qualquer pessoa, mesmo fora do contexto. Sou o quero dizer sem dicionário, intérprete, dúvida ou pontuação. Sou a palavra escrita. Além da leitura, registro e assino embaixo. Autenticação é coisa de cartório. Burocracia. Eu não. A autenticidade me confere identidade e diferença. É este meu passaporte. A validade não me importa. Viajo e vivo enquanto eu der valor às pessoas. Ah! Estas têm valor demais para mim. E sou-lhes gratidão. (RR)