A
conversa girava amenidades quando ele – um amigo amado – começou a desabafar
seus melindres diários. Estranhei o tom tanto quanto as pessoas a quem atribuía
esses aborrecimentos. Enquanto ouvia me lembrei, primeiramente, do que disse o
genial Shakespeare: “o ressentimento é um veneno que a gente toma todos os
dias, querendo que o outro morra.” Nem é preciso acrescer que faz mal a saúde
de quem o guarda. Mesmo assim quem não o tem?
Em
seguida veio Maria Rita Khel - autora do livro Ressentimento (Casa do
Psicólogo, 2007) – dizendo ser uma constelação de sentimentos negativos pelos
quais responsabilizamos o outro por nossos próprios fracassos e prejuízos.
Todo
neurótico apresenta claramente sinais de ressentimento acompanhados de queixas
imputadas ao outro, que não pôde lhe dar o que esperava e talvez por dificuldades
em se implicar naquilo que deseja. Então, culpa alguém por suas
impossibilidades ou impotências.
Ressentimentos
são frustrações acompanhadas de raiva, tristeza, inveja, ruminações negativas e
tudo de ruim. Um ressentido é sempre uma pessoa azeda, mal-humorada, ranzinza.
Não sabe curtir o que a vida lhe dá.
Só
consegue ver o que lhe falta ou faltou por culpa da mãe, do pai, do chefe, do
irmão, e por aí segue uma lista de todos que passaram por sua vida e refletem
sua própria repetição. Sim, na repetição nos colocamos numa posição tal que
encaixamos o outro nesse lugar, quer ele queira ou não. Ele nunca terá chances
conosco! Pronto, emburrei.
Não
é o caso desse amigo. Ou, até então, ele usava uma boa maquiagem. Será?
A
expectativa de reciprocidade é um labirinto do qual nunca se sai sem
escoriações. É dor causada pela esperança. Ruminação de mágoa depois de tudo
feito por amor sem retorno.
Se
o que nos move é uma demanda de amor ou de reconhecimento ou de qualquer outro
bônus, inevitavelmente vira frustração. O outro desconhece as intenções por
trás das boas ações e da servidão implícita nessa doação. Por isso, temos que
questionar nossas ações.
Fazemos
o que fazemos porque é nosso desejo e, não importa se com o que virá depois,
estaremos satisfeitos, ou fazemos para sermos reconhecidos e recompensados?
A
resposta a essa pergunta é fundamental. Se nosso desejo é atendido, ficamos
satisfeitos e nunca ressentidos pelo que vem do outro. De fato, não esperamos
nele a nossa satisfação. Por realizar o desejo, somos satisfeitos. Não diria
sempre felizes ou alegres, seria tolice.
Portanto,
independentemente do que o outro faça com tudo que lhe damos, tanto faz. Porque
agimos por nós e não em função do retorno do outro. Esse é o ponto em que
encontramos maior apaziguamento. Estamos conosco. Voltados para interesses e
desejos genuinamente próprios. Não quero dizer egoístas, quero dizer
subjetivos.
Ao
nos voltarmos tanto para o outro, estamos sujeitos a chuvas e trovoadas. Claro,
do outro não temos controle ou nada podemos com o que não nos pertence. O outro
é diferente. A distância entre o desejo de cada um causa transtornos constantes
devido a nossa tendência de esperar desejos iguais aos nossos, ou retorno como
nós faríamos.
A
reciprocidade que ansiamos e aprendemos ingenuamente a esperar é uma armadilha
perigosa e é o motivo de diversos desentendimentos, queixas e mágoas. Fazer-se
tolo requer manobra. Se o outro não sabe receber, não é grato, é problema dele.
Como
diz o livro dos livros, não jogue pérolas aos porcos! Resta-nos cortar a ânsia
dadivosa, recolher e pendurar as chuteiras. Colocar nosso banquinho debaixo de
outra janela, pois são tantas e podemos encontrar uma que se abra. Mesmo não havendo
perfeição nas relações, há as que valem muito!
(Imagem: http://karinizumi.wordpress.com/ e google)
Pois não feche essa janela. Meu banquinho gosta dela...
ResponderExcluirBeijos.
Olha Rê ... esse teu texto deu-me o que pensar! Penso que tenho essa tendência de esperar igual ao que dou (não mais!!), sempre pensei ser justo, mas ... já não sei não. Realmente existem muitas janelinhas, mas porque quereremos nós sempre as que não nos vêem?!!
ResponderExcluirBj. Fica bem.
Sabe Regina.
ResponderExcluirAssisti a um filme onde a protagonista, dizia:-
Será que após o Câncer fiquei uma chata, dessas que vê tudo lindo, agradece o sol a luz o ar.
Na hora pensei, iiiii, será?
Você como profissional, o que me diz?
O que os "outros" fazem é problema dos "outros".
Cara feia para mim é muita fome.
Indireta, não me acerta.
O meu problema é contemplar o meu glamour.
Basta!!!
Tó podendo!!!!
Bjs.
Wilma
Você disse com essa lindeza de erudição tudo o que eu penso, mas não que tenha sido sempre assim. Já vivi em função de esperar reciprocidade e isso é melindre e burrice, eu acho.
ResponderExcluirSe o outro não sabe o que fazer com o que eu amorosamente lhe dou, lasque-se, né não?
Um beijo, minha lôra sabida que só!
Algumas armadilhas nos pegam de jeito nessa vida, né Rê?...mas acho que projetar nossos sentimentos - e gerar expectativas ainda são campeões de frustrações, pq sai completamente do controle da gente... e não por acaso que "fazer sem olhar a quem" e dar amor, atenção, carinho, afeto, é incondicional (ou deveria ser), pq não existe garantia de que o retorno venha, que seja como queremos ou achamos que somos merecedores... entretanto, tudo que recebemos, seja grande ou pequeno, reconhecido ou não, é de um valor incalculável. Sendo assim... pq quando somos nós a proporcionar ao(s) outro(s), pode não ser valorizado? Parece injusto... e aí o sentimento vira peso, o outro, devedor da gente, e... pronto, está feita a confusão, o humor muda, a dor aparece, a mágoa machuca e o ressentimento adoece a alma da gente...
ResponderExcluirQue a gente trafegue por esse labirinto e ache a saída!!!
Bjãozão, minha querida... esse teu texto viajou por email, visse?... ;)
Ótimo texto. Além de concordar, enfatizo as palavras da Milene! bj
ResponderExcluirOi Regina, está chateada com o amigo não é? Dificil o um conviver com tantos tipos as vezes rígidos demais na sua neura. Ao mesmo tempo, me pergunto nesses casos de amizade- o que fazer para abrandar. Ja faz tanto tempo que nao tenho um embate com um amigo que nem sei o que dizer. Mas voce tem razão, nunca dá empate. Esperar pela reciprocidade é complicado. Cada um é cada um. E as singularidades nem sempre são decifráveis, como gostariamos. E ai a gente pergunta se quer mesmo ter esse amigo que causa estranhamento. ... Com toda razão. Ser psi pode até ser tentar entender a alma humana, mas ninguém disse que é preciso aturar chilique de qualquer um. Nem no consultorio. Bjos
ResponderExcluirOlá, RÊ!
ResponderExcluirEste texto é quase que um manual escolar, cheio de sabedoria, e de verdades comprovadas pela vida.E também muito mais fácil de com ele concordar de que passá-lo à prática...apesar do muito racionais que possamos ser.Coisa que muitas vezes não somos, porque logo a emoção se intromete e tudo complica...
"Bem mais fácil seria a vida", fossemos nós auto - suficientes, mas então tudo perderia a graça...
Belo texto!
Bom fim de semana; beijinhos amigos.
Vitor
Oi Regina,
ResponderExcluiro seu texto dá uma boa discussão. Muito bom!
O que me chamou a atenção foi "a distância dos desejos de cada um". Temos por costume, achar que o outro pensa como nós, quer como nós e entende como nós. Nos esquecemos do princípio básico de que o mundo é único para cada par de olhos que o vê.
Muito bom! Bjs
Leila
Feliz de quem tem discernimento para saber renunciar quando percebe que alguma meta é inviável. Assim, guarda suas energias para direciona-las para outro objetivo mais adequado.
ResponderExcluirComo dizia Saint-Exupéry: "somos objetos da incongruência geral"...
Bjs, Rê!
Nossa Rê esse texto é perfeito. Me fez pensar em tantas coisas... esperar desejos iguais aos nossos isso é bem meu viu..rs Gosto muito de filosofar, falar sobre esses sentimentos. Eu tenho a mania de esperar muito do outro e aí amiga a frustração é certa! Obrigada por compartilhar conosco!!! Bjss
ResponderExcluir"Portanto, independentemente do que o outro faça com tudo que lhe damos, tanto faz. Porque agimos por nós e não em função do retorno do outro. Esse é o ponto em que encontramos maior apaziguamento. Estamos conosco."...Tomei a liberdade de transcrever esta parte da belíssima dissertação sobre o ressentimento. Começo a repetir-me mas a verdade é que penso como você. Nem sempre foi assim. Foi um processo que encetei há pelo menos uns 3 anos. Acho que tem também a ver com maturidade, valorização de nossas capacidades, autoestima...
ResponderExcluirObg por poder ler-te.
Bjosss :)