Não importa onde estamos, numa mesa de bar ou no divã do analista, nossa mente nunca para e nossos medos e desejos nunca nos abandonam. Nem por um instante nos separamos do que realmente somos e, por mais difícil que seja, não controlamos cem por cento nossas atitudes. Se Freud, após 40 anos de estudo da mente humana, continuou com várias dúvidas sobre o ser humano, quem sou eu ou você para julgar as “crises histéricas” da melhor amiga? Só Freud explica!?!
Coisas simples que todos vivemos,pensamos,sentimos e nem sempre conseguimos partilhar. Assuntos, temas, extraídos da minha experiência clínica e do meu cotidiano. Em alguns você pensará: tô fora... Em outros: tô dentro...

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

DO PIGA DUPLICA



Hoje é o dia mundial de conscientização e luta. Contra esse caranguejo que não escolhe suas presas. Não gostaria que existisse uma data como essa, mas a UICC (União Internacional para o Controle do Câncer) propõe assim, com sua criação, aumentar a conscientização sobre a doença. Uma das principais causas de morte atualmente. Quem de nós não tem alguém, bem pertinho, que já passou ou está lutando contra? Aqui mesmo conheci, torci, orei e vibrei por muitos. E ainda faço diariamente. Homens e mulheres, crianças, jovens e adultos... verdadeiros guerreiros anônimos. Há quase três anos passei por um ET (assim o nomeei). E foi também aqui que recebi virtualmente uma força incalculável. Seres que nunca vi, mas que já os conhecia e os sentia dentro da alma. Sentido que se fez a cada telefonema, mensagem, comentário, visita. E serei eternamente gratidão! Mexendo numa caixinha - de guardados especiais – encontrei essa carta recebida um dia antes de minha cirurgia. Do meu irmigo e médico Ricardo, que esteve ao meu lado em tempo integral. Partilho com vocês numa forma de homenagear os que estão na luta. Em especial meu amigo L. Pois é verdade:

"A amizade é um caminho que desaparece se não pisado constantemente." (Provérbio Africano)

Rê, querida Regina,
A gente se ocupa na vida. Às vezes, se ocupa pra mascarar dificuldades, às vezes pra justificar descompromissos, mas na maioria das vezes é porque precisamos viver, sobreviver.
Viver, sobreviver em todos os aspectos.
Não me incomoda muito quando não posso ver, encontrar, conviver, usufruir das pessoas que amo, como eu gostaria, apesar de tentar sempre compartilhar esses "amores".
Com essas pessoas, sinto a amizade, o carinho, o afeto, mesmo que estejam distantes ou pouco presentes. Quando a gente se encontra, a recompensa é imediata e absoluta.
E pra completar, eu diria que a nossa ocupação pela sobrevivência, é também, de algum modo, abençoada. É através dela que, inesperadamente, inadvertidamente, encontramos, cativamos, eternizamos os sonhos, as alegrias, também as tristezas, as pessoas, o amor.
Mas hoje, eu queria ser um pouco diferente.
Imagino (um pouco, pelo menos) o seu coração, a sua cabeça, sua insegurança, sua solidão, angústia, e, óbvio, a sua convicção, sua esperança, sua fé.
Médicos geralmente sabem que o que será feito nesta cirurgia é simples, e que quase não há riscos. E é possível que vc também saiba.
Mas não é esse consolo que eu queria te prestar, talvez nem consolo eu queira levar.
Quero sim, levar, prestar, emprestar, meu carinho, meu respeito, minha alegria de te ter amiga, meu sonho de viver plenamente as verdades da alma.
A mesma vida que, algumas vezes nos faz acreditar que podemos tudo, em outros nos mostra que quase tudo independe de nós. Nesses momentos, talvez salvos da obrigatoriedade de sermos e podermos tudo, somos apenas pessoas, gente. Gente, gente que pode amar, errar, repetir, tentar, gente que pode ser gente.
Por poder ser gente com vc, te agradeço, a vida inteira.
Por poder ser gente com vc, estou ao seu lado, nesta hora, em que tenho a irrestrita certeza de que, é por vc ser gente e mostrar isso ao mundo, será superada quase sem se perceber.
Sempre irmão,
Piga.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

DASDÔ




O dia amanheceu chuvoso. Continuo dormente. Qual será meu desperta_dor? Penso nas centenas de pessoas que pulsam - nesses últimos dias e noites - dores. O estado de dor extrema, mistura de esvaziamento do eu e de contração em uma imagem-lembrança, é a expressão de uma defesa, de um estremecimento de vida. Essa dor é a última muralha contra a loucura. No registro dos sentimentos humanos, a dor psíquica é efetivamente o derradeiro afeto, a última crispação do eu desesperado, que se retrai para não naufragar no nada. Eu estava ali, desestabilizada pela impenetrável infelicidade dolorosa de centenas. As palavras me pareciam inúteis e fiquei reduzida a fazer eco aos seus gritos lancinantes. Sabia que a dor se irradia para quem escuta. Sabia que, em um primeiro momento, eu tinha apenas que ser aquela que, só por sua presença – mesmo silenciosa e distante – podia dissipar o sofrimento ao receber suas irradiações. E que essa impregnação aquém das palavras poderia, justamente, inspirar-me as palavras adequadas para expressar a dor e acalmá-la enfim. A dor só existe sobre um fundo de amor. 
"Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca." (Clarice Lispector)

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

MEDI_AÇÃO



Estava num restaurante quando ouvi, e todos os outros comensais também, a discussão do jovem casal. Cobranças, reivindicações, mágoas e intimidades despejadas publicamente, sem nenhum pudor, para que todos degustassem de prato principal. 
Tive uma vontade de convidá-los ao consultório. Mas, fiquei nela, é claro. Pensei aí na importância de um terceiro, mediador, numa situação como essa. Como aqueles que são enviados a países em guerra ou nos programas pré-eleitorais. Certo que aqui a população se resumia a dois. Mas pareciam milhares de homens e mulheres sendo representados pelo referido casal. 
Mediar uma discussão é algo diferente de julgar. O mediador, penso eu, tem como função gerar um campo de escuta e, assim, estabelecer pontes entre interlocutores. 
Percebo a tenacidade com que esse especialista se dedica, evitando que as partes fiquem encurraladas em becos sem saída – becos estes que são gerados pelos ressentimentos, que sabotam qualquer escuta. 
Ideias são armas e ficam sempre atreladas a alguma função. Uma opinião quer afirmar ou convencer; uma justificativa, por sua vez, é um veredicto. E tudo o que se julga não promove a mediação.  
Já as histórias - ouvida das partes – se insinuam como uma escuta antes de qualquer conclusão. Elas apostam na identificação e no envolvimento porque se retiram do contexto do conflito ou dos interesses entre partes e vão para um território neutro, de um tempo indefinido ou de um “alguém” que é um terceiro. 
Nesse lugar neutro surge a oportunidade de abrandar ânimos. O tom da história nos liberta do tom de nossas próprias certezas e ideias já estabelecidas. 
O mediador é alguém que está sempre transformando opiniões e juízos em histórias. Somos tentados, como em brigas em que o ódio transborda em agressividade, a desfilar nossa opinião. Mesmo quando educadamente recheamos nosso discurso de desculpas e abrimos parênteses de toda ordem, tentamos a socar o outro no estômago.
O diálogo é construído principalmente a partir das escutas. As falas manifestam os sentimentos e reivindicações, mas a interação só se produz na escuta. 
O que escuto do outro é o que realmente promove os avanços nas relações para ambos os lados. Isso porque, quando escuto o outro, nós dois nos transformamos. Quando reconhecemos que o outro nos ouviu, muitas das adversidades se desfazem automaticamente, pelo simples fato de que o ódio é um produto da sensação de isolamento. 
A escuta do outro reduz a definição das fronteiras de nosso ego e permite perceber nossa “causa” num ambiente maior do que aquele restrito apenas ao meu interesse pessoal. Tudo o que alivie a sensação de solidão e encurralamento em defesa de nossa posição possibilita uma atitude anfitriã. O outro passa a não ser mais o intruso e podemos assim partilhar o pão. De preferência em casa! Descobri com esse episódio que exerço(?) essa função: mediar dores.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

DINHEIRO COMPRA FELICIDADE?


Foi essa pergunta que estampou – semana passada - a capa de um semanário daqui. Feita pela consultoria de investimentos Skandia International em 13 países e divulgado recentemente, o estudo “Monitor do Sentimento de Riqueza” mostra que 93% dos brasileiros (a média mundial é 80%) acreditam que o dinheiro, traz, sim, felicidade.
Não fui entrevistada, mas faço parte desses 93%! Não há estado de espírito e nem luz interna que resista a falta dele para pagar as contas nossas de cada dia. Ah não tem mesmo! 
Ok. Que ser rico não é sinônimo de ser/estar feliz até concordo. Mas uma boa quantia na minha conta bancária me ajuda a sofrer lá em Paris, Arapiraca ou qualquer outro lugar, onde a angústia pela sobre_vivência não tem moradia. 
A pesquisa ainda mostra que os brasileiros consideram que seriam felizes com cerca de 25 mil por mês. Se considerarmos esse valor e que segundo o IBGE o valor médio mensal dos assalariados é de R$1.800,00, menos de 1% da população brasileira é feliz. Então, nem careço dizer da minha infelicidade! 
Valores são mesmo relativos. Tudo depende do que a gente consome e de que como administramos o que conquistamos. E isso já é uma outra história. 
Eu sigo por aqui, batalhando pela dignidade em viver, por um emprego honesto e justo (Sabem de algum? Podem me indicar?) que me possibilite ir para além do sobre_viver. Aí estarei feliz. Pois felicidade, senhores, é um estado passageiro conduzido pela quantidade de zeros de nossa conta bancária. Vai dizer que não?!
Nunca vi muito dinheiro
Trazer felicidade pra ninguém

Dinheiro vai!
Dinheiro vai!

Dinheiro pela frente
Dinheiro por de trás
Me diga qual o bem que isto faz
Dinheiro pelo sim
Dinheiro pelo não
No fim são sete palmos de chão

Dinheiro vai!

Dinheiro com dinheiro
Querem se juntar
É só multiplicar e somar
Guerreiro com guerreiro
Só querem guerrear
Só fazem zig zig zig zá

Dinheiro vai!

As coisas são mais fáceis
Pra quem se chama Onassis

Dinheiro pelo sim
Dinheiro pelo não. (Vinicius de Moraes)   

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

METAMORFOSEANDO MUDANÇAS

Feito pelo meu Peludim amaaado!

“Eu vou lhe desdizer
Aquilo tudo que eu lhe disse antes
Eu prefiro ser
Essa metamorfose ambulante

Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo”
(
Raul Seixas)

De repente a gente quer mudança. Um comichão inquieto nos instiga. Cansados da mesmice buscamos algo que sacuda o corpo, a casa, o trabalho. A gente troca os móveis de lugar, a cor e corte do cabelo, e até crê que pode mudar de profissão. Mudança dá trabalho e necessita de disposição vencedora sobre o tédio instalado e dúvidas... Será que vai ficar bom? Será que vai dar certo? Nada é mais enfadonho do que a percepção já costumeira, o olhar sedentário que prefere o conforto do conhecido, do esperado e do previsível. Então, momentaneamente, nos sentimos satisfeitos com a modificação ocorrida. Já metamorfosear é bem diferente. É um processo longo, demorado e doído. Imprevisível. De dentro, profundo, para fora. E não há ajuda externa que dê conta! Somos nós, sozinhos, diante de nossos nós.  É a audácia de conhecer mais de si, de explorar mais sobre o relevo, o contorno e as profundezas de nosso ser interior. Como um desbravador experimentamos que de nosso eu interior, há o acesso ao outro, ao diferente e ao adverso; que, da autotransformação, surge uma terra nova distante de nós. Esta é a terra possível de um futuro que não tem que ser uma sina, o cenário de nossas certezas, mas um futuro nunca antes imaginado, repleto de esperança!
“É que por enquanto a metamorfose de mim em mim mesma não faz sentido. É uma metamorfose em que eu perco tudo o que tinha, e o que sou. E agora o que sou? Sou: estar de pé diante de um susto. Sou: o que vi. Não entendo e tenho medo de entender, o material do mundo me assusta, com seus planetas e baratas.”. (Clarice Lispector)