Não importa onde estamos, numa mesa de bar ou no divã do analista, nossa mente nunca para e nossos medos e desejos nunca nos abandonam. Nem por um instante nos separamos do que realmente somos e, por mais difícil que seja, não controlamos cem por cento nossas atitudes. Se Freud, após 40 anos de estudo da mente humana, continuou com várias dúvidas sobre o ser humano, quem sou eu ou você para julgar as “crises histéricas” da melhor amiga? Só Freud explica!?!
Coisas simples que todos vivemos,pensamos,sentimos e nem sempre conseguimos partilhar. Assuntos, temas, extraídos da minha experiência clínica e do meu cotidiano. Em alguns você pensará: tô fora... Em outros: tô dentro...

sábado, 15 de junho de 2013

Será?




Será que alguém consegue olhar os próprios rastros e não se arrepender de passos dados? 
Faço esta pergunta porque andei observando os meus passos pela vida e também das pessoas queridas. 
Faço esta pergunta porque achei que ter um enorme desejo de fazer a coisa certa bastava. 
Faço esta pergunta porque acreditei que saber o que se quer e andar nesta direção era o bastante. 
Faço esta pergunta porque descobri que não.   
Ainda bem que cabe outra pergunta: o que posso fazer agora? 
É um alívio saber que a vida segue em frente. Sempre. 
O meu olhar para trás é válido apenas para acertar o curso da caminhada. No mais, como disse o rapaz a um encharcado Vinícius de Morais que andava com água até os joelhos: "Pra frente é que se anda!" 
Se não vou ainda, é porque preciso achar um canto para me encostar e descansar. Se não vou ainda, é porque esperarei passar o mês de promessas ao santo casamenteiro. Porque de promessas o mundo anda em dívida. 
Sem elas o meu passo será outro. Eu espero. 
Segue abaixo trecho da crônica de Vinícius, que considero belíssima. Como certas palavras me ensinam caminhos...


Hino carioca
Na noite do dilúvio, tentando alcançar a pé minha casa, eu me senti bêbado e louco. Caía uma tromba-d'água do céu, e tão espessa que eu mal conseguia respirar. Minhas pernas venciam a custo a densidade da cheia, que me passava dos joelhos; mas eu prosseguia com raiva dos elementos desencandeados, com raiva da cidade passiva ante sua fúria. Caí e me levantei duas vezes imprecando nomes, desafiando o aguaceiro e sua mortalha de lama, querendo briga.
Seriam pelas quatro da manhã e eu me sentia menino e ao mesmo tempo o último herói do mundo. Era tudo vazio à minha volta, e eu não suspeitava a catástrofe que, naquele momento mesmo, se abatia sobre centenas de lares pobres nos morros, o pé-d'água varrendo casebres que se desfaziam caindo pelas encostas; gente a pedir socorro em plena queda; corpos esmagados de crianças e adultos a misturar seu sangue ao barro imundo. Eu seguia cheio de cólera e euforia, o olho atento aos remoinhos, aos movimentos suspeitos da água, ao chupo dos bueiros abertos, patinhando violentamente no lençol de chuva. Ao passar diante de uma garagem inundada, um velho crioulo guardador compreendeu minha luta e me animou:
- É para frente que se anda...
Eu sorri para ele e sua carapinha branca:
- Fique em paz, meu irmão.
E pus-me a cantar cantos de guerra. Quando alcancei meu edifício, brandi meu punho para o alto. Não, não vai ser nem o ressentimento dos covardes, que cria as ditaduras, nem a fúria dos elementos, que gera a calamidade, que irão impedir o homem de chegar ao seu destino - ai dele! - mesmo sabendo de antemão perdida a grande e fatal partida em que foi lançado. Porque o destino dos homens é a liberdade: liberdade para amar, para optar e para criar; liberdade pura e integral, com a dramática beleza dos elementos desencadeados a que se sucedem céus azuis cheios de luz. Liberdade para viver e para morrer, sem medo. Liberdade para cantar seu canto rouco diante da carne translúcida das auroras. Liberdade para desejar, para conquistar o que não lhe é permitido pela estupidez da convenções e pela reserva dos bem-pensantes. Liberdade para ganir sua solidão ante o Infinito. Liberdade para suar sua angústia no Horto da dúvida e do desespero, e subitamente explodir seu riso claro em pleno Cosmos:
- A terra é azul!
Esse é o grande destino do homem: remover os escombros criados pelo ódio e partir de novo, no vento da Liberdade, para a frente e para cima. Que venham os tiranos, que o prendam e torturem, que caiam do céu bolas de fogo - e ele levante-se, roto e ensanguentado, e com a força que lhe dá a Vida parte uma vez mais, em direção à Liberdade...
Imagem:( Karin Izumi)

17 comentários:

  1. Esse texto é lindo. Por vezes apressadamente tomamos decisões e depois vemos que não era bem assim. Eu tendo a , por muito amor, pelo neto, até prender demais pra não expô-lo à perigos que imagimo... De repente, me dou conta, disso. Ainda bem que temos a capacidade de voltar atrás,rs. beijos,tudo de bom,lindo fds! chica

    ResponderExcluir
  2. Pergunto eu?
    E daí se as coisas não deram certo como deveriam...
    E daí se não era bem o que queríamos ou como idealizaram "outros" em nossa vida.
    O fato é.
    A nossa vida segue... para tentarmos e errarmos muitas vezes...
    Isso é viver e aprender.
    Só sinto mesmo que o bordão A FILA ANDA, não era usado quando tinha 18anos, tive caminhar sem ele.
    Beijos bom jogo.
    Wilma

    ResponderExcluir
  3. Olá, RÊ!

    Grande verdade: "para a frente é que é o caminho", já que para trás não podemos andar.E a outra opção seria ficar sentado...o que também não dá.O caminho faz-se caminhando, e no fundo só nós o podemos encontrar...

    Belo texto, com muito para sobre ele meditar.

    beijinhos amigos; bom fim de semana.
    Vitor

    ResponderExcluir
  4. Rê_linda,amiga_mada!

    Linda postagem, bem, tudo que vem de vc é belo e profundo.
    Os textos maravilhosos, falam de nossa expectaiva nesa caminhada chamada vida.
    Desde cedo tive uma mescla de medo e de coragem de enfrentar os medos. Veio de meus pais? Veio na minha mala para esta viagem? Não o sei!
    Só me lembro bem pequenina, de à noite, ao ouvir barulhos estranhos no quintal com um pé de tamarindo ao fundo(e como são assustadores à noite!) , temia coisa do outro mundo. naquela época não se temia assalto, não se temia gente. Nem chamava minha mãe nem meu pai, ia até a janela que dava para o escuro e mesmo trêmula por fora; por dentro havia uma onça oculta, e eu de sopetão a abria . E sorria feliz, excitada, pois VENCI! Venci a assombração e depois, muito tempo depois, é que vi que isso era a minha coragem que ainda mora comigo!
    Meu marido diz que depois que tive meu primeiro filho virei uma leoa.
    Sempre fui, estava quieta, fingindo-se de morta para sobreviver num Mundo que era maior que eu. Hoje ele não é do mesmo tamanho, tem o tamanho que eu o permito.
    A gente é criada menina para ser quietinha, mimada pela proteção, mas vê exemplos de ancestrais valentes. E por que não ia vir essa herança de um povo?
    Vejo em meus filhos essa mesma coragem de enfrentar a vida de frente, de abrir caminhos. Devemos ter passado isso, assim adiante. Penso até que meus filhos são mais sensats que nós, somos mais loucos! Sadiamente loucos, mas como cantava Aretha franklin, é uma questão de Respect! Respeito a nossa caminhada, que inclue retas e curavs mas que são escolhas nossas e graças a Deus as temos! E se algum dia, um mal maior, nos agredir, nos levar - nunca nada nem ninguém se apossará de nossa alma!
    Beijos, minha amiga mais que querida, obrigada por este post tão lindo!

    ResponderExcluir
  5. Meus sais , loura!

    Ufa, li tudinho num fôlego só e, olha que tuas mensagens fundiram-se com as do poetinha e tudo ficou tão claro no final:

    A estrada é longa, pode-se até parar no caminho, mas não se deve voltar, nem que for por um atalho.

    Linda blogada querida e uma mensagem maravilhosa de que se deve confiar em Deus e seguir em frente: SEMPRE!

    bacios pra ti lindaloura

    AH, passa no Coluna que eu to quebrando tudo por lá kkkkkkkk

    ResponderExcluir
  6. Nem fale, eu ando removendo escombros. Ando chateada, cansada, e esta semana me perguntei umas vezes: o que farei agora?!

    Fadas tambem tem problemas....

    Beijos e bom domingo

    ResponderExcluir
  7. Hummmmm, querida Rê, este teu post profundo, diz nas entrelinhas, de um certo momento em que estamos vivendo, onde a liberdade é o bem maior para que possamos expressar tanta indignação e nosso estado democrático.
    Já tive medos, já vivi o tempo do medo, da mordaça, da alienação, mas hoje tenho uma vontade danada de recuperar esse tempo perdido e que meu filho já me jogou na cara, dizendo que a geração dele tem feito mais do que a minha.
    Como diz o belíssimo texto de Vinícius "remover os escombros criados pelo ódio e partir de novo, no vento da Liberdade, para a frente e para cima..."
    Neste instante, estou exatamente assim, deixando-me levar pelos ventos dessa tal liberdade.
    um super abraço, carioca


    ResponderExcluir
  8. Re, os rastros que deixamos para traz ajuda nos passos que daremos para frente. Por mil motivos eu cada vez mais acredito que é para frente que se vai sempre cuidando do caminho.
    Belissimo texto!
    Beijos e boa semana
    Jussara

    ResponderExcluir
  9. Sei lá Rê!
    Por vezes penso que voltando atrás mudaria muitas coisas, mas ... depois olho para o presente vejo as filhotas, vejo pessoas que surgem na nossa vida e nos apaixonam ... e penso que eventuais erros cometidos não mereceriam mudanças, não pelo presente, quanto ao futuro ...
    bj.

    ResponderExcluir
  10. Você e seus textos que me fazem refletir....Sim olhando para traz vejo que tive que seguir mesmo não querendo, tomei caminhos errados e paguei tb um preço por isso. A vida está aí, todos os dias fazemos escolhas e arcamos com as consequências. Acho que isso é viver.... Bjss iluminados em vc!!!!

    ResponderExcluir
  11. "Tu não podes destruir o que criaste. Mesmo que a manifestação física seja obliterada no presente, os ecos do passado continuarão vivos nas lembranças conscientes ou inconscientes de quem interagiu com tua obra. Somos senhores de nossos atos e escravos de suas consequências."
    (Comentário a Mery, 21/8/12)

    Mas podemos, sim, desentortar um prego torto...
    Beijos.

    ResponderExcluir
  12. Já pensou que nossos rastros podem incentivar alguém a caminhar?

    ResponderExcluir
  13. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  14. Hoje em dia eu já não me arrependo de nada do que fiz, mesmo porque meu arrependimento não pode mudar o passado, nem alterar as escolhas que fiz.
    Pior do que escolher errado é ficar indeciso, assim, não me peçam para decidir alguma coisa porque eu decido rapidinho...se decidi errado, dane-se!
    Bjs, Leoa das alterosas!

    ResponderExcluir

  15. Se pudesse voltar atrás teria feito as coisas com mais voracidade, sabe? Isso de inércia empacou um bocado da minha vida. Tenho tempo ainda. Coragem é que me falta.

    Você e o Poetinha numa postagem só, é de lascar de bom.

    Beijo, Rê_zininha.

    Só pra constar, entre na pohha do Skype e me aceite por lá, porque eu já te adicionei há dois séculos e meio.

    ResponderExcluir
  16. Esse texto é de fácil identificação, Regina! Sobre o que podemos fazer agora, infelizmente, muitas vezes, ficamos sem resposta. Mas é um alívio msm saber que a vida segue em frente. bjsss

    ResponderExcluir
  17. "O caminho se faz caminhando".É uma frase tão conhecida que não sei o nome do seu autor. Mas é assim mesmo. Para e em frente, não há volta a dar. O que se fez, em dado momento, foi o que sentimos ser o melhor. Nunca saberemos o que aconteceria se tomassemos outro rumo. Apenas a certeza que, cada um de nós, se foi moldando conforme as circunstâncias, os dados de que dispunhamos naquele momento...
    Adorei seus questionamentos e o texto de Vinícius.

    Bjo, amiga Rê :)

    ResponderExcluir

Passou por aqui? Deixa um recado. É tão bom saber se gostou, ou não...o que pensa, o que vc lembra...enfim, sua contribuição!