O
dia amanheceu chuvoso. Continuo dormente. Qual será meu desperta_dor? Penso nas
centenas de pessoas que pulsam - nesses últimos dias e noites - dores. O estado de dor extrema, mistura de
esvaziamento do eu e de contração em uma imagem-lembrança, é a expressão de uma
defesa, de um estremecimento de vida. Essa dor é a última muralha contra a
loucura. No registro dos sentimentos humanos, a dor psíquica é efetivamente o
derradeiro afeto, a última crispação do eu desesperado, que se retrai para não
naufragar no nada. Eu estava ali, desestabilizada pela impenetrável
infelicidade dolorosa de centenas. As palavras me pareciam inúteis e fiquei
reduzida a fazer eco aos seus gritos lancinantes. Sabia que a dor se irradia
para quem escuta. Sabia que, em um primeiro momento, eu tinha apenas que ser
aquela que, só por sua presença – mesmo silenciosa e distante – podia dissipar
o sofrimento ao receber suas irradiações. E que essa impregnação aquém das
palavras poderia, justamente, inspirar-me as palavras adequadas para expressar
a dor e acalmá-la enfim. A dor só existe sobre um fundo de amor.
"Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca." (Clarice Lispector)
"Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca." (Clarice Lispector)