Comecei a segunda-feira assim,
devagar, mas inspirada. Tudo sempre dá certo quando respeito o meu ritmo. Então,
ouço uma canção, passeio pela casa como quem não quer nada, saboreio um pedaço
de manga e encaro a contabilidade chata. No final, vivencio a satisfação
de dar conta.
Eu estava ali, circulando pela casa, concentrada na
pequenez gostosa de afazeres que pouco importam como molhar uma planta sedenta,
limpar a poeira de um canto que não habito jogar ervas secas na água quente e
ficar ali, admirando o chá tomar cor. Na verdade, eu apenas adiava a hora
do trabalho, buscava inspiração nesse nada. E estava feliz com tanto bem-estar
sem causa.
Às vezes são carícias. Outras, inspiração para algo
mais bonito. Acontece de ser como luz em meio a sombras, traçando um sentido,
um rumo. É triste quando são vazias. Mais triste quando são flechas lançadas ao
acaso. Não existe explicação para as impensadas. Pesam como pedra quando
resolvemos carregá-las com fé cega. Na maioria das vezes são dispensáveis. E a
vida faz-se delas. Usamos o tempo todo em pensamentos, atos e omissões. Talvez
por acreditar que, como personagens da história, temos que ter roteiro e muitas
falas. Ninguém quer ser o coadjuvante mudo. A estratégia é falar muito. Hoje
acordei atenta às palavras. Também não uso sempre a palavra mais certa. Ocorre
de usar palavras que ferem. Ocorre de ser frouxa como mel escorrendo pela boca.
Ocorrem vômitos de palavras engolidas a contragosto. E também palavrões. Sobra
o quê? Confidências suspeitas, mentiras gentis, citações aprováveis, besteiras
do dia-a-dia, como o leite derramado... Talvez seja hora de calar para a alma.
Calo-me e cito uma frase de Barry Stevens do livro Não apresse o rio – ele
corre sozinho, o mais zen que eu já li:
“Como criança, eu
sentia fome
antes de conhecer
as palavras que rotulam tudo isso.
Eu sentia.
Agora, quase só uso
palavras
e não sinto quase
nada.”
Fiquei com
fome de dizer:
Quando eu me calar no coração,
ouça-me com os olhos.