Fala-se muito sobre doação. Eu
mesma chamo assim o ato praticado por todos nós, trabalhadores da Casa do
Richard, às quintas-feiras. Nessa última semana precisei relembrar os oito
níveis da “caridade”, ou as maneiras de sermos generosos com o próximo, descritos
por Maimônides (o grande médico e sábio) num dos textos da *Mishná.
No oitavo e mais baixo nível de generosidade com o próximo, um
homem compra de má vontade um casaco para um outro que treme de frio e lhe pede
ajuda. Ele entrega o presente diante de testemunhas e espera receber
agradecimento.
No sétimo nível, um homem faz o mesmo, sem esperar que lhe
peçam ajuda.
No sexto nível, ele faz o mesmo, de coração aberto, sem esperar
que lhe peçam ajuda.
No quinto nível, um homem dá um casaco que tinha comprado, de
bom grado, mas o faz sem que ninguém saiba.
No quarto nível, um homem, de bom grado e sem testemunhas, dá o
seu próprio casaco a um outro.
No terceiro nível, um homem, de bom grado, dá o seu próprio
casaco a um outro que não sabe quem lhe ofertou tal presente. Mas aquele que
deu conhece a pessoa que lhe ficou devedora.
No segundo nível ele dá o seu casaco, de bom grado, sem ter
ideia de quem o recebeu. Mas o homem que recebeu o presente sabe quem merece
seu agradecimento.
Finalmente, no primeiro e mais puro dos níveis,
um homem, de bom grado, dá o seu próprio casaco sem saber quem vai recebê-lo e
aquele que o recebe não sabe quem ofertou. Então, o ato de dar torna-se uma
expressão natural da bondade em cada um e acontece de maneira tão simples
quanto as flores oferecendo seu perfume.
Aqui existe uma situação muito
especial. Imaginem que todas as pessoas fossem generosas com os que estão ao
seu redor da maneira como fez o primeiro homem: de má vontade, um casaco
comprado, na presença de testemunhas, a alguém que precisa e pediu ajuda. Se
todos nós agíssemos assim, haveria maior ou menor sofrimento no mundo? Tempo
para refletir...
Menor, claro! É verdade.
Algumas coisas tem tamanha bondade em si que merecem ser feitas da maneira que
for possível.
Sem dúvida, existem formas de
dar que diminuem o outro, roubando-lhe a dignidade e o amor-próprio. Podemos
aprender como dar sem tirar nada e com frequência aprendemos enquanto fazemos. E
ainda creio que é melhor abençoar “mal” (num degrau mais baixo) a vida do que
não abençoá-la nunca! Só mais um lembrete: doação não tem nada a ver com
descarte. Quando for doar qualquer coisa para outra pessoa: livros, revistas,
roupas, objetos de higiene e limpeza, bijuteria, cobertores, comida, antes faça
uma pequena reflexão: isso que eu estou doando pode ser verdadeiramente
reaproveitado? Gostaria de receber de outra pessoa isso que estou doando?
Não repasse algo pra frente porque você quer se livrar, mas não tem coragem,
porque outra pessoa “pobrinha” poderia aproveitar. Se não dá para aproveitar, é
lixo.
*MISHNÁ: A Mishná, também conhecida como Mixná (em hebraico משנה, "repetição", do verbo שנה, ''shanah, "estudar e revisar") é uma das principais obras do judaísmo rabínico, e a primeira grande redação na forma escrita da tradição oral judaica, chamada a Torá Oral.(Fonte: Wikipédia)