“A obra de arte é o resultado feliz de uma angústia contínua.”
(Carlos Drummond de Andrade)
Nesse exato instante em que me proponho a escrever o tema “a angústia”, a simples falta de uma definição clara quanto ao modo de abordá-lo já confere à minha tentativa a tonalidade de uma experiência angustiante. Como introduzir a angústia? Pergunto-me, angustiada, nesse momento.
Seja como for, o angustiante estado de errância, em que ora me encontro, faz-me notar que a angústia atesta uma exigência que nosso funcionamento psíquico impõe de localizar aquilo com o qual temos que nos haver.
Penso, de qualquer forma, que a maioria das pessoas já se viu, ao menos uma vez na vida, em uma daquelas situações de angústia que nos levam a puxar os cabelos ou a morder os lábios, em um esforço ora mais ou menos desesperado de localizar, na superfície do corpo, o mal-estar que não se consegue determinar.
Qual a sua aplicação em nossa contemporaneidade, em que ela aparece de maneira quase epidêmica, sob a forma de múltiplas fobias, depressões ansiogênicas, a angústia da criança insuportável?
Na atualidade, ela é cada vez mais medicada. Lacan nos ensinou que a angústia é um afeto que não engana e não se deixa capturar pelos discursos. Contudo, assistimos, em nosso tempo, a uma tentativa de reduzir a angústia a um déficit de adaptação do corpo ou a um erro cognitivo da capacidade de juízo. Assim, busca-se eliminar a angústia confundindo-a, muitas vezes, com a fobia, a chamada síndrome do pânico e a depressão.
Miller nos propõe que devemos passar sem a angústia que fracassa e que faz fracassar, mas com a condição de nos servir dela. De nos servir do objeto que ela produz como de um instrumento próprio. Nossa política não é a do apagamento da angústia, mas do seu bom uso. Isso significa colocar a causa como ponto central em nossa experiência que busca fazer saber. A presença e o tato do analista é que permitirão ao sujeito uma nova regulação do encontro com o real que a angústia testemunha.
Marcar a diferença entre a concepção da dimensão da angústia e não pretender nem avaliá-la, nem convertê-la em um transtorno, ou ainda, tentar curá-la são esforços que empreendemos no divã nosso de cada dia.
Se quisermos interrogar em que sentido a angústia, enquanto afeto que não engana, nos serve como índice de certeza a orientar nossa experiência, cabe antes avaliar a natureza daquilo que ela sinaliza. Para tanto, não basta somente repetir com Freud que a angústia sinaliza a emergência de uma exigência pulsional não admitida pelo eu. É preciso definir a forma que toma a emergência dessa dimensão sinalizada pela angústia, assim como os efeitos que ela produz sobre o sujeito.
Para a psicanálise, todavia, a angústia, embora certa, ainda é uma proteção, um sinal, uma expectativa. O que interessa para a psicanálise é evidenciar, a partir da angústia, o que ela ao mesmo tempo esconde e sinaliza: a Hilflosigkeit, designada por Freud como condição estrutural do desamparo humano, inicialmente ligado à sua prematuridade específica e posteriormente perpetuado pela incidência desarmônica do desejo do Outro sobre o sujeito.
Se a angústia é justamente o afeto que sinaliza a proximidade dessa falha como lugar sem relação, a psicanálise por ela se orienta para conduzir o sujeito ao ponto de impasse em que se produz a imposição do ato de escolher. Faça sua escolha!(RR)
(Imagem: Tela de Mirtilo Gomes)