Já escrevi aqui (não sei onde) que receber é uma arte de poucos. Dizem que nós, mineiros, somos hospitaleiros. Independente de ser sinto esse acolhimento, hospitalidade nas casas dos meus amigos. Se já te colocam dentro da cozinha, podem ter certeza: você é – realmente – de casa. Abrir sua casa e preparar para acolher convidados ou hóspedes implica doação em todos os sentidos. Estou com hóspede desde o dia 02/02. Minha irmã, amadíssima, que é mais paulistana que mineira pelas décadas que já mora em Sampa. Mesmo tendo uma intimidade enorme tento deixá-la o mais confortável possível. Primeira providência: entrego a chave da casa para que possa ir e vir quando bem quiser. Abro espaço nos armários, gavetas, troco a carne vermelha – não come há anos – pela branca, o suco de maracujá por laranja, rearranjo os horários das refeições, roupa de cama e banho limpinha e cheirosa, e dentro das possibilidades me coloco, de motorista, para levá-la a alguns lugares. Fez uma cirurgia e está sem poder dirigir. Claro que vai a pé, de ônibus ou táxi também. Nada disso é pesado. Faço com gosto. Como já fiz, outras tantas vezes, com amigos dos meus filhos. Uma coisa é fato e venho aprendendo nessa arte: hospitalidade é abrir um lugar para o outro!
Muitas vezes, ser hospitaleiro não é colocar alguém dormindo na sua casa. É escutar alguém que seja totalmente diferente de você. Que tem ideias, valores, crenças, filosofia e ritmo de vida contrária ao seu. Entregar as chaves da casa é assim . Alimentar, dar subisistência àquilo que é distinto ou contrário a nós. Para tal proeza é necessário cultivar a prática de lidar com nossos medos. O que acontece - de fato - é uma constante troca, nunca um ato unilateral de benevolência do anfitrião. Na verdade, o maior agraciado nessa troca é, na maioria das vezes, o anfitrião. Ele oferece sua prosperidade externa, seja em forma de abrigo, alimento ou conselho, e recebe em troca a força e a novidade da prosperidade interna de quem está de passagem.
O hóspede traz luz à casa do anfitrião e lhe dispensa esperança e entusiasmo. Cada um de nós sabe disso por experiência própria. Quantas vezes a chegada de alguém em nossa casa, por mais que traga dispêndios econômicos e inconvenientes, nos deixa tão gratos, que temos a nítida sensação de estar em dívida, de ter recebido mais que ofertamos? “O que é meu é teu e o que é teu é meu.” A única finalidade de toda a matéria é o provimento do outro. Como num ato falho, troca-se a identidade de anfitrião e hóspede. Somos hóspedes e anfitriões.
Vai receber alguém hoje para o almoço de domingo? Enfatize o que há em comum. Respeite as diferenças e saboreie o dia. E se o convidado não gosta de feijoada mineira faz uma omelete caprichada!(RR)