Não abro mão de ser mulher. Já
disse e repito. Quem é mulher sabe deste lado quente de ser.
A fidelidade maior para mim,
de memorização, é esta aqui: a que eu escrevo. Se não escrevo, não sei. Quem
não vê, não sente. A vida é feita de sentimentos.
Pelo menos para mim, é esta
que escolhi. Por isto escrevo. Escrevo com tal fidelidade só comparável à
saudade que carrego de amados.
A escrita me situa. Admito
minha insignificância e sei de minhas significações.
É que nem esse Divã. Pra uns é
insignificante, pra muitos, significação.
Posso apelidar a
insignificância de avesso.
É o direito de qualquer um tem
de não gostar.
Porque gosto é entendimento. A
gente só gosta do que entende.
O mundo tá cheio de quem não
tem leitura, nem educação. É coisa do mundo mesmo. É como escrever Diário. Coisa
de jovem. Ser jovem é ter coragem. E mulher é corajosa. Daí tantos diários:
De Anne Frank (o mais famoso)
De uma estrela
De uma artista,
Diário de Sofia – o mundo dela
é lindo e filosofal, mas é diário.
Nem repórter escreve diário.
Escreve crônicas, como Pedro Bial.
Taí uma coisa pra mulherada
pensar.
O pensamento da mulher é
mutante.
O homem age. A mulher muda.
Isso a gente aprende com a
vida, com a maternidade, com a situação.
Tô situada, como o fruto no
ventre
o filho no colo
a água no rio
o trem no trilho
a neve no frio...
Estar situada é ter nome, ter
gosto, ter cheiro. É entender a vida.
O oposto é a insipidez, o
anonimato, o travo. É ser sonso e insosso.
Não quero escrever
moralidades. Não hoje. Chega de tragédias. De escândalos também. Afinal, to situada,
embora tenha me despedido de tantas coisas. Já quase sei ou estarei me
despedindo do aqui. Só que esta despedida atual nada tem a ver com o neutro
artesanato de minha vida anterior. É que viver é sempre uma questão de vida ou
morte. Daí a solenidade.
Me sinto um pouco como a
barata de Clarice Lispector: mansa e feroz.
Mansa – de coração.
Feroz – por força de vontade.
Eu preciso ir antes que seja
tarde. Quem fica é trem. É conduzido.
O rio vai por determinação e
tarefa.
Tô indo.
Me aguardem.