Não importa onde estamos, numa mesa de bar ou no divã do analista, nossa mente nunca para e nossos medos e desejos nunca nos abandonam. Nem por um instante nos separamos do que realmente somos e, por mais difícil que seja, não controlamos cem por cento nossas atitudes. Se Freud, após 40 anos de estudo da mente humana, continuou com várias dúvidas sobre o ser humano, quem sou eu ou você para julgar as “crises histéricas” da melhor amiga? Só Freud explica!?!
Coisas simples que todos vivemos,pensamos,sentimos e nem sempre conseguimos partilhar. Assuntos, temas, extraídos da minha experiência clínica e do meu cotidiano. Em alguns você pensará: tô fora... Em outros: tô dentro...

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Café Requentado? Não Obrigada!

Apesar de estarmos no século XXI, com uma variedade de arranjos afetivos – ficantes, namorados, ajuntamentos, casamentos sob o mesmo teto ou cada um na sua casa - as queixas que ouço na minha clínica, sejam pelos homens ou pelas mulheres, remontam a épocas bem menos modernas.
Mesmo que as prioridades sejam outras – carreira profissional, estabilidade e independência financeiras – encontrar a cara metade, alma gêmea, viver para sempre a paixão do início da relação, é perseguida por ambos os sexos. Atrelado a isso o medo da solidão, inquilino fantasma, sem a princípio, possibilidade de despejo. Essa dificuldade de encontrar alguém e apesar do sofrimento que ambos carregam, faz com que permaneçam numa mesma relação por motivos variados: preguiça de recomeçar, escassez no mercado, medo do novo, falta de garantias ou a famosa frase “vou trocar seis por meia dúzia mesmo!”
Não estou me referindo aqui aos esforços mútuos que devem existir para ajustar-se, disposição para transigir e a experiência de aprender como solucionar conflitos que ajuda aos casais a conviverem e construírem uma relação cheia de amor e funcionando relativamente bem. Mas falo de relacionamentos que já se esgotaram.
No início de toda relação, predomina a paixão, um estado de euforia, caracterizado pelo encantamento, fascinação, aceitação total das diferenças que camuflam a formal REAL de ser do parceiro. Ambos se apaixonam por personagens fantásticos, idealizados onde predomina aquilo que neles é projetado. A proposta é seduzir e agradar. Não é permitido ver, realmente, quem o outro é. Escolhem os pares pelo comportamento aparente.
Com o passar do tempo e o conhecimento maior, começam a surgir os problemas, as discussões e iniciar uma intolerância com relação aos defeitos do outro, tornando-os tão envolvidos em quem está com a razão que se impede o diálogo, o entendimento de significados de cada um, fazendo assim que se refugiem em seus mundos. Vem a separação... Uma briga daqui, um pedido de desculpas dali. Uma discussão feia de cá, uma mágoa de lá.
Os relatos clínicos denunciam que, quando se ama, tanto se teme enfrentar a possibilidade de dar certo – cheia de prisões e tentáculos – como o risco de não dar certo e ficar rompida uma harmonia que poderia ter dado certo. E se poderia, vai doer se não viver.
Reatam e reinicia todo o processo acrescido agora de mágoa e daquele fantasma, agora encarnado chamado solidão.
Reencontros, momentos de prazer, pedidos de desculpas e inicia-se o jogo de ioiô: vai, volta, vai, volta.
Esse vai e vem pode continuar indefinidamente, porque requentar um café é mais rápido e menos trabalhoso. Passar um café novo é começar tudo de novo. É correr risco, é não ter garantias. Então, preferem ir sentindo aquele gosto esquisito na alma de café requentado.
“Viver bem” não é “dar certo”. Dar certo é ser capaz de prosseguir apesar do desacerto. “Viver mal” não é necessariamente “dar errado”. Dar errado é não prosseguir, é não ter a coragem de dizer como finalmente uma paciente disse: -café requentado? Não, obrigado!

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