Desde o ano passado o bichinho da inquietude vem me visitando. Todas as vezes que ele deu as caras foram épocas de mudanças radicais em minha vida. Os sintomas – se é que posso assim nomear - são uma insatisfação indefinida, preguiça, cansaço da mesmice, ausência de empolgação. Em janeiro, voltei a estar na coordenação da equipe do hospital e isso me deixou na maior preguiça. Trabalho burocrático, reuniões e mais reuniões que não levam a nada, lidar com outros coordenadores além da própria equipe, projetos que não saem do papel e sei lá mais quantas outras bobices, que sinto como perda de um tempo precisoso. Gosto mesmo é de botar a mão na massa, fazer, e com os erros e acertos ir percebendo que algo foi construído e tem efeito. Já pensei se não é a tal da “meia-idade” e com ela, essa história tão na moda de se reinventar. Ando mesmo cansada de ver, que os sintomas somáticos e o poder de transformar desejos em imagens, caracterizam a vida psíquica na atualidade. Isso pressupõe um “novo” tipo de paciente e é preciso empreender um reajuste teórico capaz de proporcionar ao homem conforto, segurança e um alcance maior do entendimento dos seus meandros sentimentais e afetivos.
O homem moderno é um narcisista, talvez cruel, mas sem remorso. O sofrimento o prende ao corpo – ele somatiza. Quando se queixa, é para melhor comprazer-se na queixa, que ele deseja sem saída. Se não está deprimido, empolga-se com objetos menores e desvalorizados, num prazer perverso que não conhece satisfação. Habitante de um espaço e de um tempo retalhados e acelerados tem, com freqüência, dificuldade de reconhecer em si mesmo uma fisionomia. O homem moderno está perdendo sua alma. Mas não sabe disso.
Dificuldades relacionais e sexuais, sintomas somáticos, impossibilidade de expressar-se e mal-estar gerado pelo emprego de uma linguagem a certa altura sentida como “artificial”, “vazia” ou “robotizada” levam novos pacientes ao divã do analista. Muitas vezes, eles têm a aparência dos analisandos “clássicos”. Mas, por trás das atitudes histéricas e obsessivas, logo transparecem novas doenças da alma. O certo é que, se um analista não descobre, em cada um de seus pacientes, uma nova doença da alma, é porque não os escuta em sua verdadeira singularidade.
Os analistas são levados então a inventar novas nosografias que dão conta dos “narcisismos” feridos, das “falsas personalidades”, dos “estados-limite”, dos “psicossomáticos”. Em que pese às diferenças dessas novas sintomatologias, há, unindo-as, um denominador comum: a dificuldade de representar. Quer tome a forma de mutismo psíquico, quer experimente diversos sinais sentidos como “vazios” ou “artificiais”, essa carência da representação psíquica entrava/emperra a vida sensorial, sexual, intelectual, e pode prejudicar o próprio funcionamento biológico. Pede-se então ao psicanalista, sob formas disfarçadas, que restaure a vida psíquica para permitir ao corpo falante uma vida melhor.
Serão esses novos pacientes produzidos pela vida moderna, que agrava as condições familiares e as dificuldades infantis de cada um, transformando-as em sintomas de uma época? Ou a dependência médica e a corrida para a imagem seriam as variantes contemporâneas de carências narcísicas próprias de todos os tempos?
Se a palavra crise para os chineses tem o significado de oportunidade, talvez seja, agora, a minha oportunidade de me reinventar. E pegando ainda do latim crisis: hora de ruptura, de separação, de terminar! Recebo, no meio dessa crise, um convite para falar para os alunos da VIII turma do Curso de Pós-Graduação lato sensu, Especialização em Psicologia Hospitalar e da Saúde da Universidade Fumec. Assim veio o convite: ..."Gostaríamos que, nesse momento apresentasse a importância do trabalho que realizam para a Psicologia Hospitalar no Brasil e em Minas Gerais, apresentando suas experiências no Hospital SOCOR, já nossa conhecida, e reconhecida, através de encontros anteriores..." Como poderei falar de algo que ando tão desacreditada? Alunos que iniciam uma especialização por acreditarem, como há dezesseis anos atrás eu acreditei, que farão diferença? Dizer-lhes que a "rapadura não é doce e nem mole"? Que ainda estou num hospital porque ainda não consegui me reinventar?
Ah crisis... que oportunidade é essa que me brinda, hein? "Decifra-me ou devora-me".
Ah crisis... que oportunidade é essa que me brinda, hein? "Decifra-me ou devora-me".
Regina, muito oportuno seu artigo.
ResponderExcluirTambém encaro o mundo dessa forma.
Há momentos em que precisamos mudar, pois parece que o tédio nos devora!
Isso é uma aflição.
Pois bem, a escrita, é uma forma de liberar essa ansiedade que por ora me assalta.
Principalmente por estar aqui na megalópole e tantando voltar às minhas raízes.
Gostei do post, e deixo meu abraço e uma poesia.
Aceita?
Na Montanha
Hoje, aproveito o tempo ensolarado.
Com o céu celestino e uma nuvem solitária,
Olho a montanha, contemplo calado,
A natureza desfilando, gloriosa solidária...
O alto da montanha me convida a escalar.
E lá em cima, avistar o mundo inteiro...
Quem sabe até onde, a vista alcançar
Sob a brisa, e com o sol alvissareiro.
Admirável natureza, espetáculo formoso
Hei de subir lá, e provar das harpas,
Da Suprema obra, que do Espírito emana...
Na inspiração que me conduz para sempre
Ao topo dessa montanha hei de ter,
Visões de Luz, e quem sabe meu Nirvana...
Queridíssima Rê, perfeito e oportuno o desabafo. Menos pela chamada crise da meia-idade(?!) e mais pelo reconhecimento de que há coisas com as quais você ainda se empolga e outras que não lhe servem mais. E - o melhor de tudo isso! - que você continua viva, pensante, sensível, ao invés de tragada pela mediocridade e acomodação. Eu, como paciente, acho que toda a área de saúde deve, urgentemente, se repensar e mudar de rumo, pois não estamos muito satisfeitos com ela. Sei que é processo doloroso e complicado, porque depende de outras instâncias nada interessadas na crise - míopes que são para tirar o foco do próprio umbigo. Mas, gente como você, querida, nos dão alento e vontade de continuar acreditando. Que o bichinho da inquietude lhe traga novas e produtivas soluções, para você e para nós todos! Com amor e admiração, Angela
ResponderExcluirAmadíssima!!!
ResponderExcluirJá sei o que é isso.... Você está com saudades minhas.....kkkkkkkk. Não tem outra explicação..
Mas independende do que sente, estou diariamente colocando você em minhas orações, para Papai do Céu te dar muita luz, confiança, entusiasmo e continuar sendo essa pessoa maravilhosa que eu AMO de verdade!
Muita PAZ
E a vida é assim...
ResponderExcluirTemos de estar sempre dispostos a nos reinventar.
Acreditamos seriamente em algo hoje, mas amanha talvez aquilo já não nos seja tão importante.
Bjos no coração!
Querida amiga Rê,
ResponderExcluirPenso que "nem decifra, nem devora".
Tem alturas que nem reinventando.
Aí o melhor é por momentos "desmontar" tudo, parar e desejar/querer e ter muito colo.
Depois sim, munida dessa "proteção" já encaras e podes pensar em reinventar, porque tens condições, aptidão para levar de vencida. Tu és a Rainha, não te esqueças!
Beijo e kandando com carinho e delicadeza a atravessar tanto mar.
Nosso ritmo de vida não se coaduna com as dores da alma… somos competitivos e daí a desilusão ou decepção, o que quer que nos faça acomodar, nos fazer reféns num patamar onde ficamos até ter capacidade para voltar a lutar e aceder a novos desafios.
ResponderExcluirInfelizmente nem sempre somos “usados” profissionalmente nas tarefas em que teríamos necessariamente mais sucesso ou mesmo produtividade, a vida é assim mesmo.
Rápidas melhoras do estado da alma querida Regina.
No inferno os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise ...
ResponderExcluirBeijo.
Olá Regina!
ResponderExcluirDá para perceber que está a fazer o balanço da sua vida, talvez a meio do exercício da mesma,(foi a Regina que disse, não eu!) para utilizar linguagem de contabilista.E a vida, hoje em dia, não está mesmo nada fácil para uma cada vez mais alargada maioria dos que andam por cá.
Este mundo está cada vez mais tecnocrático - até na linguagem que usamos - individualista, egoista,e também desumanizado.E não irá mudar a curto prazo, acho eu. E a Regina, agora em fase de inventário,com tudo o que sabe, não vai certamente ter dificuldade em equilibrar o "deve" com o "haver".
Beijinhos ... and keep the faith in yourself!
Vitor
Antônio, seja muito bem vindo!!!
ResponderExcluirClaro que aceito uma poesia tão linda...OBRIAGADA! Volte sempre, viu?
Beijuuss n.c.
Ângela, amiga, amada!
Palavras como essas são para serem arquivadas na alma da gente...Acabei de chegar de mais um dia intenso lá no hospital e não consigo mentir: a angústia é o sentimento reinante. Mas vou tomar um belo banho e degustar essa lua cheia MARAVILHOSA que recarrega minhas baterias, sempre! OBRIAGADA, alma iluminada, por esse carinho...
Beijuuss n.c.
Cacá sua gorrrrrda rsrs amada!
É saudades docê simmmmm minina... E por enquanto somos duas gorrrrrdas rsrs, pois ainda não posso voltar prá academia por conta da perna! Aí já viu, né? Sem pump, sem combat, sem dança, sem aparelhos e sem você...tô GORRRRRDA rsrs. Mas é temporário, logo logo tô de volta! Também AMO DE VIVERRRR você, lindona!
Beijuuss n.c.
É Sandra, é assim mais ou menos. Hoje tá prá mais rsrs
Beijuuss n.c.
Kimbanda, amado, amigo querido!
Suas palavras são sempre calor no meu coração...OBRIAGADA por palavras tão generosas e carinhosas! Nem sei se sou merecedora delas, amigo, mas as recebo dentro de minha alma.
Beijuuss n.c.
Sam, amado!
Que bom vê-lo por aqui e ler palavras em pura sintonia comigo. Esse estado d'alma há de passar...a luz no fim do túnel sempre aparece!
Beijuuss n.c.
Êita Manuel amado e danado de sábio!!! Neutralidade, banho morno, em cima do muro, não é messssmo minha praia rsrs.
Beijuuss n.c.
Vitor, amado!
Mantenho a fé agarrada, sempre... Esse balanço pode demorar, mas no final o saldo há de ser positivo, amigo.
Beijuuss n.c.
Querida Rê, amiga... como vais, cadinho melhor?
ResponderExcluirVim deixar o meu desejo de uma Páscoa Feliz para ti e todos os teus. Saúde, alegria e o essencial que é paz nesse coraçãozinho em que não quero sentir melancolia. Mereces de todos nós, estes votos e muito mais, por tudo quanto nos tens dado a receber.
Estou aí... e à espera dum retorno em grande como te é apanágio. Força menina!
Kandandos e o meu carinho a atravessar tanto mar.
Uau... que aula!
ResponderExcluirDepois que li, pensei num poeta português que viveu entre os séculos 15 e 16. São dele os versos que seguem, iluminados por sua sabedoria:
Comigo me desavim
Comigo me desavim,
Sou posto em todo perigo;
Não posso viver comigo
Nem posso fugir de mim.
Com dor da gente fugia,
Antes que esta assi crecesse:
Agora já fugiria
De mim , se de mim pudesse.
Que meo espero ou que fim
Do vão trabalho que sigo,
Pois que trago a mim comigo
Tamanho imigo de mim?
Sá de Miranda