Difícil a paz no encontro humano, porque ele está vivo cercado por palavras atropeladas, explicações febris, idéias infeccionadas, teorias leprosas e lógicas estupradas. A paz não concilia com nenhum sentimento. Arisca e exigente, só aparece quando não há sintomas de medo, culpa, interesse, pena, dependência, ciúme, possessão ou cobrança. A paz não é definida, é adivinhada; não é definida ou conquistada: ou surge e se impõem ou foge assustada. Qualquer dominação, dependência, reverência, temor ou carência expulsam-na. Rainha das sensações, ela se engendra em solidão, silêncio e entrega. Parecida com a esfinge ela diz algo quase igual – decifra-me e devoro-te. A paz não se tem. Ela é que nos tem, rainha, deusa, força absoluta, exigente e casta porque sabidamente é um estado superior do eu externo, ante sala de qualquer contato maior e transcendente. Ela foge do campo do eu porque seu castelo é no território do mim.
A paz é a única medida mais ou menos precisa do que é amor. Por ela, ele se define e transluz. Se paz não surge, então o sentimento – ainda que intenso e profundo – poderá ser tudo, menos amor.
A paz é um solitário faroleiro que nos permite indicar o rumo. Se o sentimento vem aos trambolhões, machucadelas, dificuldades, semi-impossibilidades até, mas ao chegar tece paz, pode ter certeza de que é amor.
Se, ao contrário, amantes, cansados e felizes, chegaram ao auge da alegria e do prazer, mas a paz não se teceu, o aviso é tão terrível quanto real: não é amor. Este se encaminha pelo mar de tumultos, mas gera a paz: na presença ou na ausência. Em ato ou potência. Essa intromissão da presença ou da falta de paz é a grande indicadora dos rumos ocultos de nossa vida. Ouví-la, seguir a sua sabedoria instintiva é encontrar a melhor dimensão de todas as relações que tivermos.
Saber sentir a paz e percebê-la fluida, mas nítida, deusa das sutilezas e de verdades, eis a chave para a decifração dos enigmas através dos quais o amor se manifesta.
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